DANE-SE A ÉTICA!

   
      Existem pessoas que cruzam nossas vidas e deixam marcas, nos ensinam lições sem nunca terem entrado numa escola, nos fazem rever conceitos que aprendemos na vida. Só aí entendemos que nem sempre o certo é o certo, bem como o errado é o errado. Depende apenas de como observamos tudo, qual o ângulo, qual o conceito.
    Comigo aconteceu isso. Na época que dirigia uma casa de apoio a portadores de cãncer, tive a oportunidade de por várias vezes modificar minha opinião sobre ética. Na verdade, mudei muito. Crescí, aprendí, virei mais humana, mais gente. Foram muitos os ensinamentos. Ganhei muito. Bem, meu personagem e amigo era Sr. Antonio que  foi o primeiro responsável pelas minhas mudanças. Ele era do Carirí, região muito sofrida da Paraíba. Tínhamos todo tempo do mundo para jogar conversa fora. Um tempo sem tic-tac que fazia surgir histórias de vida cada qual mais digna de ser retratada em letras. É o que tento fazer agora, esperando ser o mais fiel possível ao meu amigo.
       Ele constituiu familia cedo como acontece sempre por aqui. Completamente desprovido de bens, morando numa região quase sem chuva e esquecida pelas autoridades e por Deus, a manutenção da enorme familia tornava-se impossível. Esperar a chuva chegar ou a morte?. Um dia, um lampejo brilhou na sua cabeça. Estava pronta a estratégia. Tudo estava desenhado, era só partir para a ação. Mas, do que se tratava? Olhando sua mulher na beira do fogo a fazer um chá de mato para enganar as barrigas dos sambudos, teve uma brilhante idéia. Chamou um dos bruguelos e disse: Vai à bodega de Sr. Chico e me trás um quilo de acúcar. Diga que pago amanhã. De posse do açúcar, Sr. Antonio foi ao terreiro onde havia um cajueiro vermelho, raspou um pedaço de caule e fez um chá bem forte. Do açúcar fez um mel grosso e escuro, juntou ao chá e estava pronto o milagre. Pegou dez garrafas, encheu todas. Colocou-as num saco e foi para a estrada. Logo um caminhão que ia para Campina Grande parou. Tudo certo.
          Chegando à cidade, começou a apregoar o " remédio milagroso". A garrafada curava tudo. De espinhela caída , à broxura de maxo. Sr. Antonio era bom de bico e logo uma pequena platéia se formou. Ele falava com tanta certeza que não tinha como duvidar. Em pouco tempo ele estava de volta à casa, dessa vez com o dinheiro do açúcar e mais algum para uns ovos e quem sabe feijão. Voltou a comprar o açúcar para novos fabricos. Dessa vez, cinco quilos. Sr. Antonio mudava sempre de ponto. O medo de encontrar algum comprador que tivesse se dado mal com o remédio, sempre existia. Melhor evitar.
         E, lá ia ele de bairro em bairro, de cidade em cidade. O negócio prosperava. O dono da venda já fornecia o açucar sem medo. Um dia, lá vinha um freguês seu correndo ao seu encontro. Sr. Antonio tentou fugir, em vão. Lá estava o homem... A agradecer o bem que ele lhe havia feito vendendo a garrafada. Seu filho desenganado pelos doutores, curou-se depois do milagroso remédio. Daí outros se seguiram. Era um galo como presente pela mulher parida que tinha se recuperado. Era um quarto de bode, pela ferida braba que fechara. Enfim, a mentira foi se diluindo e ele mesmo passou a acreditar. Na verdade, ele não estava mais vendendo uma mentira, mas uma verdade. Era agora sua verdade. A mentira que tornou-se verdade tamanha a fé. A partir daí, tornou-se uma pessoa ilibada, honesta, curandeiro de primeira.
          E agora? Jogue você, meu leitor, a primeira pedra. Como julgar Sr. Antonio? Afinal, suas meisinhas criaram todos os seus moleques.
          Fitei Sr. Antonio e acreditei em sua verdade, em seu milagre. Um milagre da vida.
           QUE DANE-SE A ÉTICA.