Eta tempinho estranho!

Então eu resolvi concordar. Ainda me é estranha essa opção tão pessoal. Eu jamais imaginei que chegaríamos, um dia, a esse ponto. Se é prá se ler o jornal, só dá sexo barato, Neymar (ah! como as marias-chuteiras se apaixonam...ui.) e paredão. Fora a eterna corrupção, a violência, o “dimenor” debochando escancaradamente da sociedade. Mas tem também notícias sobre Corinthians, Palmeiras, São Paulo. Aqui em Florianópolis, a rivalidade é entre Avaí e Figueirense. Mas tem também notícia de silicone. Ah! o cartunista Laerte também quer por silicone. Ele já avisou. Discutir política? Com quem? De que jeito? Onde foram parar tantos sonhos, aquela vontade contagiante de construção de um país realmente democrático, moderno? A nossa realidade acabou virando um verdadeiro “samba do crioulo doido”. Mas hoje falar assim é politicamente incorreto. Seria mais plausível dizer: “a nossa realidade virou um samba de um indivíduo com excesso de melanina na epiderme e que sofre de algum distúrbio neurológico”. E eu acreditava principalmente na força de uma juventude promovendo um novo mais consistente, com brilho e grandes projetos... mas a maioria da garotada está preocupada com a tecnologia “chic no úrtimo”. Visão e comprometimento social? Peraí, o que é isso mesmo? “Eu quero o meu e o resto que se vire”... Tem sido assim.

Produção artística de qualidade? Aí é luxo demais. Buscar o entendimento mais profundo da condição humana numa letra de música, por exemplo? Também não dá, porque o espaço agora é para o Camaro Amarelo. Já que o debate consistente está radicalmente fora de moda, bem como a crítica seguida de propostas plausíveis, a ausência de limites é abençoada por milhares de papais e mamães... eu resolvi cinicamente concordar. Até porque o cinismo é uma forma de filosofar.

Lendo a Folha de ontem, lá estava no nosso Parque do Ibirapuera uma turma de peladões. Eles e elas pretendiam chamar a atenção para o direito ao naturismo. Fotografados, eles e elas estavam se achando.

Cheguei a imaginar um diálogo via Grahan Bell entre um peladão e esta mortal que ora escreve:

- Vera, tudo bem?

- Tudo. ( a resposta seria meio seca, pois não gosto muito de falar).

- É que nós formamos um grupo bem democrático e estamos aqui no Ibirapuera.

- Sei. (já começo a me irritar porque estou percebendo que é conversa mole).

- É que nós formamos um grupo em defesa do naturismo.

- Cacilda!

- Como?

- Nada não. Eu estava dando tchau prá minha vizinha.

- Então, nós estamos aqui abraçando as árvores em defesa da nossa causa. A imprensa já chegou.

- Tá. E aí?

- Nós estamos convidando algumas pessoas para lutarem contra a ditadura das roupas.

- Opa, falar em lutar contra a ditadura é comigo mesma. Rapaz, eu era ainda bem jovem quando lutei contra ela, trabalhei na imprensa alternativa, corri da polícia, dei aulas de história na sua forma mais elucidativa e crítica possível... Mas nós já derrubamos a maldita, filho. Agora tem tudo a se fazer: construir um projeto de nação, trabalhar seriamente o significado de comprometimento social, correr atrás das questões mais urgentes, a começar pelo desastre da corrupção...

- Peraí, Vera. Acho que você não entendeu. É para lutar contra a ditadura da ROUPA.

- Roupa???!!

- É. Nós estamos lutando pelo direito de ficar pelado...

Absorta, sem ter o que falar diante do inesperado, eu resolvi concordar.

- É mesmo. Roupa é um problema, meu filho. Sempre foi! A gente gasta muito dinheiro com ela. Olha só: a gente tem que sair de casa, tomar o ônibus ou ir de carro até o shopping, pagar estacionamento porque se deixá-lo na rua o mesmo pode ser roubado. Aí tem que acionar o seguro. E se o carro não tiver seguro..… a gente dança. Ou ainda: vem o guardador de carros dizendo que vai “dar uma olhadinha”. Aí a gente sai do carro, entra no shopping, leva um choque térmico desgraçado com aquele ar condicionado, anda, anda, sobe e desce escada rolante...

- Vera, é prá você vir...

- Peraí, meu filho. Eu estou concordando com você, mas eu gosto de argumentar. O que eu falava mesmo? Ah! Da escada rolante... então. Depois de tanto sobe e desce, entra e sai de loja, a gente escolhe a roupa. Leva prá casa. Ih! Ficou meio larga, tem que arrumar. Então a gente pensa em voltar ao shopping , mas está muito calor, pode chover. E depois ainda tem o estacionamento que não é barato.

- Vera, mas...

- Peraí, meu filho. Eu continuo concordando com você. Mas veja bem: a gente troca aquela roupa e depois usa pouco porque logo sai de moda ou a gente engorda porque tem tanta coisa boa prá se comer hoje em dia, não é verdade? Tem cada cuca de abacaxi, de ameixa, de damasco, fora as tradicionais de banana... enfim... Mas mal vestimos a roupa nova, a gente começa a suar. Pronto: tem que lavar. E a novela continua: a gente tem que ir ao supermercado comprar sabão em pó porque o que tinha em casa acabou. Por que acabou? Por que? É que umas tantas outras roupas já foram lavadas e consumiram o produto. Tá vendo que coisa? .Aí a gente volta . Liga a máquina e coloca o sabão lá dentro e a roupa bate. (Sorte quando a máquina está funcionando porque outro dia eu comprei uma nova e veio com defeito. Estou esperando a troca até hoje). Tira a roupa da máquina. Coloca no varal.

- Vera, dá um tempo...

- Pera. Tem que secar. Aí a gente tira a roupa do varal. Tem que passar. Monta a tábua, liga o ferro e passa com cuidado. Quando a gente vira a blusa prá passar do outro lado, descobre uma manchinha. Pronto. Tem que voltar – NESSE CALOR - ao supermercado porque o Vanish que foi comprado na promoção acabou.

- Tu tu tu.

-Meu filho... alô, alô.

O rapaz desligou. Mas que coisa! Esse povo fica falando em acabar com a ditadura mas me nega a liberdade de opinião. Como dizia o Fernando Henrique: “assim não pode. Assim não dá”.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 25/02/2013
Código do texto: T4159460
Classificação de conteúdo: seguro