IGNORÂNCIA E VIOLÊNCIA

Nasci canhota, hoje sou ambidestra, mas não por opção. Na verdade, quando criança, estudei com uma professora, daquelas bem truculentas, que me obrigava a escrever com a mão direita.

Eu tinha uns cinco, seis aninhos, mas jamais esqueci o susto, o medo e a vergonha que sentia quando ela (ou sua assistente) vinha sorrateiramente por trás, como se fosse apanhar uma presa ou surpreender um crime. De repente e com violência, batia no meu braço, enfurecida, chegando muitas vezes a rasgar o meu caderno; arrancava o lápis da minha mão esquerda e, com a mesma violência, o colocava na mão direita.

A humilhação doía mais do que as pancadas com aquela régua de madeira. O pior é que, além de ter que "engolir" o choro, eu recebia a severa recomendação de que não poderia falar sobre isso com meus pais, sob ameaça de me arrepender de ter nascido. O medo imperava, calando a todos. Na minha casa nunca fui repreendida por usar esta ou aquela mão, e sempre usei a mão esquerda para comer, pentear os cabelos, escovar os dentes, desenhar, pintar, escrever, tudo enfim, pois nasci canhota.

Na "sabatina", além das questões de matemática e português, tinha também uma inspeção nas unhas, ouvidos, cabelos e dentes das crianças. Qualquer resposta errada ou qualquer sujeirinha, um “bolo” de palmatória. Lembro que eu fechava os olhos na hora, para não ver a pancada nas mãozinhas dos coleguinhas (que não podiam chorar, é claro!), e ela me obrigava a abri-los, sob ameaça de “ganhar” um “bolo” também, dizendo que todos tinham que olhar, para servir de exemplo.

Eu era uma criança tímida e bastante frágil, doentinha mesmo, mas que gostava muito de estudar. Sempre gostei. Inclusive, essa dita professora me achava tão adiantada que me mudou para a terceira série na metade do ano, ou seja, fiz dois anos em um. Todavia, naquele período, ir à escola era um terror para mim. Mesmo assim, eu não podia deixar a minha mãe perceber, tinha muito medo das ameaças.

Acho que estudei lá durante um ano e meio, mais ou menos. E só muitos anos depois, já no final da adolescência, comentei o assunto em casa. Minha mãe ficou extremamente revoltada, querendo tomar satisfações com as duas tiranas. Pra quê? Já passou. Foi horrível, mas passou.

Fui condicionada, sob violência, a escrever com a mão direita. Minha letra, por muito tempo, ficou indefinida, perdida. Ora caía pra um lado, ora pra outro, e demorei bastante para equilibrá-la um pouco. Para isso, precisei fazer inúmeros exercícios de caligrafia durante toda a minha infância, e eu os detestava.

Minha mão direita não tem muita força, pois é utilizada mais para escrever. Tudo o mais continuo fazendo com a mão esquerda, que é forte, ágil e poderosa. Porém, quando por algum motivo preciso usá-la (a esquerda) para escrever, a letrinha é exatamente igual àquela que ficou lá atrás, num período cinzento da minha infância.

(Texto publicado em 22/08/2011)

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Jandira Lucena
Enviado por Jandira Lucena em 25/02/2013
Reeditado em 25/02/2013
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