O CANARINHO, O BEIJA-FLOR E O TEMPO


 
Era inevitável que na clausura da gaiola, onde habitou por longos anos, o pássaro de cores vivas e canto envolvente perdesse a beleza de suas penas e a força de sua voz. Embora nada o prendesse àquele lugar - e a porta da prisão estivesse sempre aberta - o medo, a insegurança e o comodismo impediam que o Canarinho alçasse novos voos. Enquanto muitas aves partiam rumo ao horizonte, o pássaro antes destemido apenas observava, inerte, seus iguais em busca da felicidade.

Da ninhada em que nasceu, o pequeno pássaro foi um dos mais fortes, ativos e corajosos; “medo” era uma palavra que ele não conhecia. Seu canto, um dos mais belos do bando, desde a infância encantava quem se propusesse a ouvir sua melodia de liberdade e esperança. Com o passar dos anos - e a chegada da fase adulta - a ave sentiu necessidade de mudar sua vida. Isso foi possível quando o cantante animal, num dos seus vôos pelo mundo, encontrou a gaiola que o acolheu. Essa casa forneceu-lhe sombra, água e alimento por anos. Mas, ao mesmo tempo em que lhe deu conforto, segurança e proteção contra os predadores, a morada de grades, embora sem cadeado, suprimiu a liberdade e os sonhos do Canarinho.

Percebendo a tristeza que habitava no coração do seu amigo pássaro, refletida na melancolia do canto, no encardido das penas e na falta de brilho do olhar - algo que não condizia com a personalidade alegre e pungente da ave em outrora - o Beija-flor se aproximou da gaiola, e sem cerimônias, começou a falar:

--- Caro irmão, não se entristeça com bobagens. Lembre-se que a juventude ainda é próxima a ti. Suas asas não foram arrancadas, pelo contrário, estão em ótimo estado; muitos vôos ainda podem ser dados até o fim de sua vida. Veja minha situação: sou uma pequena criatura, como você, e muitos animais tentam me devorar; mesmo assim arrisco-me a buscar o néctar das mais variadas e belas flores, a beber nos lagos de águas mais puras, a apreciar o céu, a sentir a brisa do mar e o calor do sol da manhã, sem a certeza que poderei fazer tudo isso no próximo dia. Sou feliz porque tenho liberdade; faço minhas escolhas baseadas no presente; vôo muitas vezes sem destino e tento aproveitar cada minuto da vida como se fosse o último. Transformo cada beijo na razão do meu viver. Ânimo, rapaz! Recorde-se de sua essência e não deixe que o medo do desconhecido o limite à mediocridade dos que não se arriscam a viver. Saia dessa gaiola! Voe rumo à incerteza do futuro! Alimente-se do néctar de vida!

Ouvindo as palavras de sabedoria e incentivo do Beija-flor ao Canarinho, o Tempo, que estava de passagem naquele momento, com o intuito de fortalecer os argumentos de coragem em prol da ave infeliz, sussurrou ao seu ouvido:

--- Jovem Canarinho, o cronômetro da minha vida começou a contar desde a criação do universo; sou o maior ancião do planeta e não há nesse mundo alguém mais sábio que eu. Presenciei conquistas e derrotas durante todos esses séculos; chorei e sorri com vários povos e gerações; vi a construção e o desmoronamento de impérios, de templos sagrados; sofri ameaças de morte em diversos momentos; porém, aqui estou contando e representando a História. Ao longo da vida deram-me as honrarias de “Compositor de Destinos” e “Tambor de Todos os Ritmos”, com isso tento não decepcionar meus dançarinos. A justiça é meu cetro e a verdade minha coroa; nesta terra de cegos, eu enxergo tudo e sou rei. Saiba que o teu destino eu já tracei; seu sofrimento logo há de findar. Perceba que o elixir da vida não é raro e pode ser encontrado dentro de você. Guarde este receita e propague aos seus descendentes: cultive ação, motivação, transpiração, fé e perseverança. A música da sua vida já foi escolhida por mim, mas quem determinará o ritmo é você. Bravo pássaro, voe, divulgue seu canto e procure sem medo o caminho da felicidade; creia que irá encontrá-lo.

Reflexivo com as palavras recebidas, que o atingiram como uma flechada no coração, o Canarinho sentiu que algo rasgou sua alma e fez brotar nele novo ânimo de viver. Já havia perdido o hábito de voar, mas desengonçadamente ensaiou o bater das asas, pegou impulso na gaiola, e sem muito pensar, voou com força e determinação. Partiu - sem olhar para trás - em direção à nova vida, ao infinito horizonte, às realizações que o Tempo prometeu que viriam. Cantarolou otimismo com o semblante de alegria revigorado; sua vontade de voar pelo mundo foi renovada. O jovem pássaro reaprendeu a apreciar a beleza da natureza; sentiu novamente o calor do sol, o vento e o ar preenchendo seus pequenos pulmões. O brilho dos seus olhos reacendeu e ele percebeu a importância da sua vida; afinal, não estava à toa neste mundo. Deus lhe deu asas e voz para que usasse incessantemente.

O rei Tempo agraciou o pequeno pássaro com o espírito de uma águia. Feliz, o Beija-flor observou seu amigo sobrevoar montanhas, ultrapassar as nuvens, chegar bem próximo ao céu, perto de Deus. O Canarinho compreendeu que a tempestade enfrentada dentro de si foi necessária para que após a chuva voasse para encontrar seu tesouro no fim do arco-íris.


 
Robson Alves Costa
(26/02/2013)



Imagem: Internet
Robson Alves Costa
Enviado por Robson Alves Costa em 26/02/2013
Reeditado em 15/10/2013
Código do texto: T4161098
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