Maturidade

Em seu corpo maduro e pesado, deformidades típicas da idade o afastam de espelhos, filmadoras e câmeras fotográficas. Há três anos não há fotos dele em lugar nenhum. Para as comemorações do dia dos pais na escola, os filhos levaram pela quarta vez um retrato que o mostra de longe, sentado no sofá, com uma xícara de café na mão, tirado há quase cinco anos: o cabelo ainda preto, o corpo mais magro e musculoso, a alegria da juventude ainda brilhando no sorriso e no olhar. Não quer nenhum registro em imagens de sua maturidade, do que ele vê como o início de uma queda vertiginosa montanha abaixo (a decadência que ele tanto temia na juventude e que, agora, é uma realidade assustadora: a decadência do corpo).

Ele se vê como um fruto ainda vistoso, no ponto ideal para ser colhido e saboreado, mas que, no dia seguinte, estará passado, e no outro, podre.

Aos 37 anos, acredita estar bem em cima da linha divisória entre a juventude e a velhice. Seu metabolismo é mais lento, está barrigudo, sua memória não é a mesma da época de estudante, seu cabelo está embranquecendo, rugas se acentuam ao redor dos olhos e da boca, seu olhar está triste, apagado; já não sente o mesmo prazer que sentia antes no trabalho; quer mais tempo para si e para a família, para ler, ouvir música, não fazer nada.

A morte lhe acena de perto, sussurra-lhe ao pé do ouvido coisas que ele não entende, mas que lhe transmitem paz, serenidade e um desejo imenso de aproveitar a vida como ele nunca aproveitou, de cortar da sua lista de prioridades tudo que não lhe dá prazer, que o aprisiona e aborrece. E quer começar já. O momento é este. Sacrifícios e sofrimentos agora só prejudicariam um presente que pode não se tornar futuro, pois a queda já começou, e a descida é cheia de obstáculos, às vezes intransponíveis.

Mas ele sente que falta alguma coisa, um ingrediente essencial para o equilíbrio que ele tanto procura em sua vida, e que, só agora, deitado na grama do quintal, observando as nuvens que passam, ele descobre qual é: a aceitação do seu corpo, da sua idade, do seu momento.

É isso. Afastar-se o máximo possível dos jogos e artifícios da vida e deixar-se invadir pelo prazer real de viver não é suficiente para alcançar a paz de espírito que ele tanto quer. Ele sente que precisa fazer as pazes com o seu corpo, que ainda é saudável e pode continuar assim por muitos anos, apesar do amadurecimento, da inevitável velhice que, feliz e em paz, ele quer viver. Apesar de...

Está agora nu diante do espelho. Este é seu corpo aos 37 anos. 37 anos de história. A sua história. Só ele a viveu. Só ele sabe. É a sua vida.

Respira fundo, enquanto se olha, já sem medo. Sente o rosto com as pontas dos dedos, suas cicatrizes e rugas, suas bochechas redondas e levemente caídas. Toca de leve a barriga disforme, o excesso de gordura no peito e no pescoço, a cintura larga, as cochas enormes, desproporcionais... Não está tão feio quanto pensava.

“Este sou eu aos 37 anos”, diz para si mesmo, e sorri. Seu olhar ainda está cheio de vida, seu espírito ainda tem muito a oferecer através deste corpo que o abriga. Sua saúde é boa. Precisa perder peso, e vai perder, mas sem desespero e sofrimento, sem querer atingir padrões de perfeição, como muitas pessoas que ele vê na academia, eufóricas, tomadas por um frenesi de exercícios e dietas absurdos, comparando-se umas com as outras, sofrendo para atingir a meta, manter o padrão.

Não, isso não.

Viver os dias um de cada vez, aceitando o que se é, fazendo o que se gosta, cuidando da saúde, mas sem desespero. Esse é seu objetivo agora. E está feliz por tê-lo descoberto.

Olhando-se no espelho, diz para si: “Somos como nuvens passageiras, águas que seguem seu curso em direção ao mar... E como dizia Fernando Pessoa: ‘Mais vale saber passar silenciosamente. E sem desassossegos grandes’”.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 01/03/2013
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