A contadora de histórias

Nasceu. Chorou. Chorou. Chorou. Mamou. Dormiu. Dormiu. Dormiu. Dias depois os doadores de esperma e óvulo desapareceram e ela foi parar num lar para adoção com outras crianças. Engatinhou. Caminhou. Fez peraltices. As tias do lar pareciam não ser tão amorosas. Sempre apressadas plantavam, colhiam, faziam beijos-de-moça para vender, pediam ajuda pela comunidade.

Comia. Brincava. Estudava. Aprendeu a ler. Aprendeu a escrever. Aprendeu a desenhar. Aprendeu a contar histórias tristes a seu respeito e a respeito das outras crianças. Completou a maior idade ainda no lar, pois não havia permanecido mais que alguns dias pelas famílias que a haviam escolhido para adoção. Hora de ganhar o mundo. Casou-se. Quis ter filhos. Não pode tê-los.

Querer nem sempre é poder, mas dá ideias para a ação. Foi cuidar de crianças num lar para adoção. Mãe-crecheira, sempre apressada plantava, colhia, fazia beijos-de-moça para vender, pedia ajuda pela comunidade. Crianças são incansáveis e famintas. Mantê-las limpas, saudáveis, alimentadas, fora de perigo é mais que amor.

Mas aquelas crianças precisavam de cura para a mágoa, o que no mundo atual tem alto custo. Pediu ajuda aos céus! Aprendeu a recontar sua história, onde um pai e uma mãe lhe doaram a vida; inclusive, a mãe, com risco de perder a própria vida, pois o parto tem dessas coisas. Contava que a maior missão dos pais era justamente esta. Cuidar, qualquer um pode fazê-lo sem riscos.

Ensinou as crianças a contar histórias. Reunidas em grupo de duas, cada uma contava uma história mais triste que a outra. Depois trocavam de história onde deveriam recontar a história da parceira sob a visão de um anjo. Aprenderam que toda história pode ser contada pelo menos de dois pontos de vista diferentes e que a felicidade, a fé, o bom ânimo, assim como outros sentimentos podem ser exercitados.

As crianças saíram a contar histórias leves, onde a gratidão levava a melhor. A mágoa, pouco a pouco, foi conduzida para longe das histórias. Ainda seria sentida, pois é irmã companheira de outros sentimentos na espécie humana, mas não necessita ser cultuada. Não foram felizes para sempre, porque "sempre" não quer dizer nada. Mas foram felizes, a sua maneira, um dia por vez. Sorriu. Sorriu. Sorriu.