MUNDO NOVO - IDÉIAS NOVAS

Eu penetrei naquele jardim banhado de luz com meu coração experimentando singular fascinação. Afigurava-me um pedacinho do céu. Aquelas árvores acolhedoras, aquelas virentes sementeiras tocavam sobremaneira meu coração, estimulando-me para uma nova temporada de gratificante aprendizado, até então divinamente velados a mim. O ar embalsamado pelas primaveras de todos os matizes, estendido de forma tal formando um caprichoso alpendre de galhos e flores, fazia-me relembrar as sugestões carinhosas e sábias ouvidas na alma, no que tange exercitar os músculos do coração, encorajando-me na decisão que seria a mais gratificante de minha resplandecente vida. Era a primeira vez que me interessava pelo trabalho voluntário.

Razão pela qual, naquela tarde outonal, de sol a pino, a maneira de aluna que vai à aula pela primeira vez, um tanto tímida porém decidida, bati à porta da Instituição Pequeno Cotolengo, conhecida no Brasil como Orionópolis em homenagem a Dom Orione. Aqui em Campo Grande é conhecida como Cotolengo - Orionópolis Sul Mato-Grossense. São casas de acolhimento aos portadores de necessidades especiais.

Fui carinhosamente recebida por uma funcionária chamada Verenice Doerzbacher Augusto, que com seu porte altivo, olhar tranqüilo velado por infinita compaixão, voz musical entoando caridade, talvez tenha sido meu primeiro aprendizado. Espargindo amor pelo olhar, gestos e fala, Verenice foi me colocando ciente das necessidades de que as crianças que ora ali se encontravam necessitavam.

— São na maioria portadores de deficiência em estado grave, recebendo aqui uma melhor qualidade de vida: um bom banho, uma boa alimentação, cuidados com a saúde, muito carinho, e principalmente muito amor — disse-me ela num leve sorriso.

Com gestos de bondade que lhe são característicos, Verenice foi me apresentando as quase quarenta crianças que compunham as quatro enfermarias daquele teto deveras acolhedor, lembrando um lar iluminado com as bênçãos do sol e das estrelas distantes.

Eu nunca tinha tido até então nenhuma oportunidade de relacionamento com crianças especiais, de maneira que jamais poderia imaginar o quadro que se desenharia aos meus olhos: quartos abrigando verdadeiros filhos da dor e do sofrimento, não obstante, a certeza de serem corajosos guerreiros, escalando os Montes tão íngremes e ao mesmo tempo tão Redentores da Elevação Espiritual. Angustiosas e pungentes impressões colhiam-me a alma ao mesmo tempo penalizada. Enquanto conhecia as crianças, ia ganhando sorrisos, contentamento expressado no olhar, trejeitos manifestando sentimentos...tudo na mais excessiva dificuldade, não conseguindo evitar que meu coração, tão indigente de sofrimento, ficasse feito um barco em turbilhão, contudo, copiando a serenidade de Verenice, tentei aparentar-me imperturbável.

Se fervilhavam em meu cérebro mil interrogações, abrira-se um mundo novo à minha oportunidade de crescimento moral, espiritual e intelectual, todavia, necessário seria guardar minhas emoções para mais tarde, porque seguindo os passos de Verenice, paramos diante de um retrato ampliado numa das paredes daquele recinto, abrilhantando o ambiente, de onde refulgia dois olhos negros refletindo afabilidade e grande júbilo. Percebendo meu olhar em expressão tão profunda e vivaz, Verenice, se adiantou dizendo:

— Esse é Dom Orione, o fundador da Instituição Cotolengo.

Um retrato deveras correspondente a imagem que a história traçou. Dom Orione descobriu com crescente amor um imenso horizonte povoado de crianças órfãs, abandonadas e portadoras de necessidades especiais. Tendo dedicado anos a fio à salvação de tantos pequeninos, em Cristo, por Cristo e com Cristo, nas mais diversas regiões da Itália, e mais tarde, além do oceano, e até mesmo debaixo dos escombros provocado pelos terremotos em Messina (1908) e Avezzano (1913), estendendo suas mãos àqueles que tinham ficado órfãos e desamparados. Uma vida inteira espargindo o perfume do amor debruçado sobre o doloroso pranto alheio, razão pela qual, fitando aquela tela, pareceu-me que seus olhos tocavam o céu, tamanha doçura no olhar.

Uma das personalidades mais eminentes de nosso século, Luis Orione nasceu num lar bem pobre em Pontecurone, Norte da Itália, em 23 de junho de 1872, sendo o quarto filho do britador Vitório Orione e sua esposa Carolina. Além de todas as imagináveis vicissitudes de uma infância muito pobre, Luis Orione viveu num período histórico muito inquieto, entre o radicalismo na Itália, as duas guerras mundiais, o modernismo e as ditaduras desumanas. Ainda criança, de olhar esfuziante, emanava um amor sem par, para com o Pai, Jesus e Nossa Senhora purificando e suavizando o ambiente com seus gestos e palavras banhado de luz. Na adolescência ficou transparente sua indiferença aos gostos e atrativos do mundo, optando precocemente pela vida num mosteiro franciscano, perseverando entre os salesianos, encaminhando-se para o sacerdócio secular, numa constância ainda mais heróica pela renúncia ao enquadramento de sustento oferecido pela vida religiosa. Nessa atmosfera de desapego à riqueza, Dom Orione compreendeu em profundidade a necessidade de lutar pela dor humana à luz de Cristo, tornando intensa a procura de Deus nas inumeráveis chagas da humanidade.

Fundador antes mesmo de ser sacerdote, realização que se deu em 1895, fundou em S. Bernardino, bairro de Tortona, em 1893, com apenas vinte e um anos de idade e com as bênçãos do Bispo Dom Bandi, o primeiro colégio para menores abandonados. Foi a primeira de muitas fundações da Pequena Obra da Divina Providência, engrossada com brilhantismo em diversos paises à custa de indizíveis provações.

Dom Orione deixou a vida física às 22h45min do dia 12 de março de 1940, em Sanremo, numa atitude serena...olhos voltados para o céu.

Com que emoção retorno de tão acolhedoras reflexões acerca de minha estréia neste Mundo Novo de Idéias Novas conhecido como Voluntariado. Já vai para quase dois anos que continuo trabalhando uma vez por semana no Cotolengo. Ali quanto aprendo com as comoventes lições de vida, quanto carinho recebo, quanto me sinto querida, quanto tenho para aprender...e agradecer...!

Luzia Câmara Ozarias
Enviado por Luzia Câmara Ozarias em 18/03/2007
Reeditado em 24/03/2007
Código do texto: T417211