O CRIMINOSO

(Adaptado e revisado - retirado do livro 20 Contos inversos e dois dedos de prosa)

Ah, como ela era bonita!!!

Nos domingos, ao entardecer, invariavelmente ela se punha a enfeitar as ruas da cidade. Saía da Alfredo Cruz, virava à esquerda na Getúlio Vargas e seguia em toda a sua exuberância até a Jaime Brasil onde, junto a boa parte da população jovem, desfilava entre o Moura Bar e a Praça do Centro Cívico. Aquele bater de pernas ia até a hora que começava o vesperal no Cine Boa Vista.

Peitos fartos e empinados..., quadris arredondados e firmes..., tudo dentro de um tubinho que desenhava o corpo e deixava os joelhos roliços e as pernas bem torneadas, macias como veludo, à mostra.

O que mais continha aquele vestido? Que lindos mistérios guardaria?

Os acordes de “Il Silenzio” no alto-falante, prefixo do cinema, funcionavam como fundo musical para encerrar o vai-e-vem de tanta graça e beleza. Os homens suspiravam ao vê-la passar.

Quantos pensamentos impuros ela provocava nas mentes masculinas... Quanto desejo ela suscitou... Maria Aparecida... Quanto tempo se passou, meu Deus...!

Era fim de noite (ou início do dia?) no Bar da Viúva, Ano 2000. Sentei para tomar as últimas cervejas do sábado antes de me dirigir ao meu Pelmex. De repente uma mão pousou ao meu ombro:

- Oi! Posso te ajudar na geladinha?

A fisionomia não me era estranha. Num primeiro momento, não identifiquei aquela mulher; aquiesci. Depois de alguns minutos, caiu a ficha: Maria...! Maria Aparecida!!! Ou, o que restou da Maria...

Não, não me levem a mal. Maria não estava feia. Como eu era um dos seus ardorosos admiradores, fiquei decepcionado ao comparar a graça dos dezesseis anos com a maturidade dos quarenta e oito. Maria está mais gorda; desgastada. Na face, entretanto, ainda traz marcas da beleza de outrora.

Ficamos tomando cerveja e remexendo nos arquivos de nossa juventude.

Mais uma cerveja!... Outra!... Uma bem geladinha!... E a conversa fluía... O nível alcoólico subia enquanto o nível da conversa caía. Já tínhamos enveredado para as intimidades e sacanagens. Falávamos de namorados, flertes, casos, paixões, sexo, traições. Levado por ciúmes, saudades e curiosidade - não sei como nem porquê -, de repente, fiz a pergunta:

- Maria, como foi a tua primeira vez?

- ???

- Quem arrancou o teu cabaço?

Maria sorriu, e abriu o verbo:

- Maninho, tu “num” vai acreditar. Tu “sabe” que todo mundo me cantava... Resisti enquanto pude. Uma noite, no arraial de São Sebastião, comecei a me acochar com teu amigo, o Cachorro-magro, ali por detrás do Teatro Carlos Gomes. Nós dois estávamos muito excitados... Ele forçando a barra e eu resistindo... As mãos dele eram mais rápidas que as minhas.

“Percorreram meus peitos..., minhas pernas..., minhas coxas..., minha bunda... – continuou - Estávamos completamente loucos, mas eu resistia heroicamente. Argumentei que era virgem e que sexo era pecado, mas ele foi me arrastando pr’aquela puxadinha por detrás da igreja e disse que me levava pra um lugar abençoado... Ele falou que se transássemos ali, os santos nos perdoariam... Não cedi por causa dos seus argumentos; dei porque não agüentava mais...”

Rimos daquela e de outras histórias revividas durante a madrugada.

Na segunda-feira, de manhã, liguei para o meu amigo Cachorro-magro, pois queria relatar o encontro e gozá-lo com o segredo que me foi contado:

- Pô, Cachorro. Tu me matas de vergonha. No sábado, estive com a Maria Aparecida e ela me contou detalhes da sua primeira transa... Sei de tudo... Sei até dos argumentos que tu usaste para convencê-la. Cara, tu até apelaste pra São Sebastião....?

Cachorro-magro, dentro de sua grande presença de espírito, argumentou:

- Rapaz, este país é cheio de desigualdades... A justiça, então, é uma vergonha. Olha, meu irmão, nesta terra tudo que é crime prescreve... Cabaço não prescreve não? ‘Inda tão me cobrando aquela insignificância que eu arranquei em 1968?!?!?

e-mail: zepinheiro1@ibest,com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 19/03/2007
Código do texto: T417921