Um brinde à apatia.

Semana passada, tive a oportunidade de brindar com meu ex-amor – ou será ainda amor? – o entorpecimento de nossos corações...

Após algumas semanas de nosso desenlace, espremido entre lágrimas e reflexões profundas sobre o deserto a se pronunciar, então, em nossas vidas, as velhas frases de estímulo como “o que tiver de ser será”, “o destino a Deus pertence”, “agora não dá, mas dê tempo ao tempo”, “preciso de um tempo só comigo”, e outras, enfim, reuni forças para subir a serrinha e buscar meus pertences, pondo termo afinal em nossa história.

Bem, a tarefa revelou-se mais inglória do que se cogitara, a começar pelo caminho – longo, admito; sempre fora, mas, até então, não atinava... Ah, o caminho... Outrora, um passeio pelo campo. Mas, naquele dia, meu Deus, foi-me a “via-crúcis”, em extensão e intensidade. A cada curva, uma lembrança; a cada fragrância exalada do mato, um prazer perdido em nossas páginas já viradas; até os buracos de que fugia me remontavam a seus desmedidos risos de menina quando ali rasgávamos pelo asfalto. O breu da noite me fora sempre amigo, porque proporcionava amiúde o cumprimento do luar entre as clareiras das copas. Mas, naquela noite... As fragrâncias me sufocavam, as curvas eram escorregadias e jaziam mortuárias; os buracos, armados sorrateiros a me rasgar os pneus... A lua amuava-se, soturna, atrás das nuvens, que despejavam caudaloso pranto sobre a cidade caótica e já submersa.

Mas venci a jornada e alcancei então o velho castelo incrustado na montanha, morada de meu ex-amor – ou será...?...

Demorei um bocado a recompor-me e resolver dar cabo de minha tarefa. Traguei o mundo narinas adentro e, certo de estar pronto, saquei do celular para requerer-lhe a presença, quando mirei a sombra da folhagem que nos abrigara tantas vezes, testemunhando inclusive nosso primeiro beijo, as primeiras carícias, todo o circunlóquio por que me enveredara na delicada e sonhada missão de alcançar-lhe o coração... Voltemos ao reencontro!

Por derradeiro, aprumei o moral e instei-a a descer de sua fortaleza. São esses momentos que se espalham pela eternidade. Minutos metamorfoseados em horas, os tiques que assomam por todo o corpo. Que experiência! E ela aparece; fagueira, faceira, perfeita, como eu temia... Linda e plena... Com um ar remoçado, toda lépida e resoluta de suas ações, sua decisão; não sei bem até onde verdadeira, mas convincente; ao menos a meu olhar turvo pelas circunstâncias.

O certo é que reouve meus trastes, perguntei qualquer coisa, respondi qualquer outra, trocamos meia dúzia de frases, num clima protocolar, uma gentileza britânica. E assim nos tratamos. Algo de grotesco, mas compreensível. A natureza humana tem desses abismos. Num dia, nós nos amamos, nos possuímos, nos entregamos, trocamos juras perenes, fluidos corporais, a seiva da saliva da aurora amanhecida entre nós, nosso amor corpóreo, nosso orgasmo etéreo... Depois é essa frieza marmórea, que nos congela até a esperança de dias melhores.

Somos de uma espécie única. É mesmo estranho esse bichinho – o humano -, capaz dos maiores disparates.

Após todas essas juras, promessas construídas, trocas vividas e, por fim, o terremoto a ruir os meus sonhos, cheguei a uma conclusão sobre o futuro, sobre a desilusão sempre a me rondar, sobre minha fé nos amores... Que venha o próximo batel! Com ou sem timoneiro! E sopre o vento que soprar! Quem tiver medo que se borre em terra firme!

Éder de Araújo
Enviado por Éder de Araújo em 19/03/2007
Reeditado em 08/07/2008
Código do texto: T418833
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