Um copo. Um cinzeiro. Uma ideia. Uma determinação.

Um copo. Um cinzeiro. Uma ideia. Uma determinação.

Sob a luz do luar, todos aqueles pensamentos afogados em já não se sabe mais quantas doses de Whisky. E na verdade também não importa. Aquele líquido de alguma forma o acalmara, o deixa mais relaxado e coloca sua cabeça em ordem novamente.

Com a mão trêmula, equilibrava mais um cigarro entre os dedos. Teimava em se deliciar com seus longos tragos, mesmo não conseguindo respirar direito. Mas e daí? Mais cedo ou mais tarde (ou quem sabe a qualquer momento) estaria morto de qualquer forma. Aquele era somente mais um prego em seu caixão.

Estava sendo acompanhado por uma velha vitrola tocando um blues ao fundo, mas o som estava atrapalhando, decidiu então desligá-lo e sair até a sacada, para apreciar a vista e tomar um ar.

Aquele som de buzinas já não passava de ruídos surdos, e toda aquela hipnótica luz se movimentando pra lá e pra cá, eram apenas borrões diante seus olhos. Conseguia se concentrar agora. Conseguia ir fundo em seus pensamentos.

Sentindo o vento bater em seus cabelos úmidos e em seu rosto tomado pelo suor de toda aquela angústia irracional que há dias se apoderava dele. Fechou os olhos e levantou sua cabeça, esticando seu pescoço e abrindo seus braços, como se quisesse sentir o máximo possível do sopro de Deus em seu peito.

Depois de um longo tempo apreciando a refrescante brisa noturna de verão, apoiou-se novamente no gradil de sua sacada e olhou para baixo. Olhos totalmente vidrados naqueles pontos indo e vindo de lugar nenhum. Toda aquela angústia se dissipou num piscar de olhos. Sua mente atormentada estava finalmente livre diante aquela cena. Todos os demônios de dentro de sua cabeça o abandonaram na mesma velocidade e intensidade que um dia a invadiram. Seus olhos pareciam agora estar encarando o paraíso.

E por um instante sentiu uma forte presença ao seu lado, o abraçando. E por um instante sentiu que tinha asas. E por um instante sentiu que podia voar.

Ainda com os olhos fixados nos vaga-lumes indo e vindo abaixo de seus pés, terminou suas duas ultimas tarefas: apagou o cigarro no cinzeiro. Deu um último e demorado gole no restante de Whisky que ainda tinha em seu copo, sentindo seu gosto em cada gota que descia docemente pela garganta.

Sentia agora seu coração bater mais rápido. Adrenalina? Nervosismo? Efeito do álcool? Não sabia. Não importava. Não mais. Não naquele momento.

Apoiando-se lentamente com os dois pés no gradil da sacada, equilibrou-se com certa dificuldade. Olhou para aquele céu que poderia muito bem estar estrelado, se não fossem as nuvens tempestuosas sobre sua cabeça. Abrindo os braços novamente sentiu suas asas se abrirem e, mesmo estando a considerável altura, pôde ouvir um doce sussurro o chamando. Aquela voz lhe era familiar, com certeza. E sabia que não hesitaria em agir sob os pedidos daquela voz.

Pulou.

E lá embaixo, não havia nada além de seu corpo inerte e seu sangue ainda quente ao seu redor. Não havia asas, não havia vozes, não havia ninguém. Assim como também provavelmente não havia ninguém lá em cima, pensou.

Mas o que importa agora? Sentia-se fraco. Sentia cada vez mais frio. Porém não se sentia mais atormentado. Não se sentia mais assombrado pelos fantasmas do passado que insistiam em lhe assombrar, o que na verdade era ótimo. E aquilo lhe deixou contente.

Sabendo que agora estava finalmente em paz, deu um ultimo suspiro, sorriu debilmente e se permitiu fechar os olhos...

Voodevilish
Enviado por Voodevilish em 16/03/2013
Código do texto: T4192194
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