Opção pelo simples
Tem gente que sofre horrores para se enquadrar no modelo de família perfeita: padrão de vida elevado, filhos com inteligência acima da média, sem nenhum desvio de comportamento, pais exemplares em todos os quesitos da perfeição: amorosos, bem sucedidos, respeitados, baluartes da moral e dos bons costumes, etc. Nesse modelo, as falhas, quando surgem, devem ser rapidamente corrigidas, para não comprometerem a harmonia do quadro, a imagem de sucesso e felicidade que se quer passar.
O meu modelo de família é mais flexível: acolhe melhor as imperfeições, os tropeços, as sinuosidades dos caminhos. O que dá para resolver, a gente resolve. O que não dá, a gente vive. E não se preocupa em mascarar, fingir. Para quê?
Em casa não tenho super-filhos nem super-esposa. Não sou super-pai nem super-marido. Não somos super nada. Somos o que damos certo e o que fracassamos. O que se enquadra e o que foge para as margens. O que aprendemos, sofrendo ou não. O que vivemos, felizes ou não.
Somos o que somos.
Comparações com outras famílias não nos ferem, porque, quase sempre, o que se compara com o que somos ou temos não representa, para nós, o essencial, o que realmente importa para uma vida plena e feliz, mas o excesso, o desnecessário. Nossa opção foi pelo simples, mas com direito a algumas gracinhas de vez em quando.
Termino esta crônica com um poema inspirador de Affonso Romano de Sant’Anna:
Desmontar o acessório.
Assumir as proporções próprias.
Não ser mais que o barco
ou montaria
para evitar naufrágio e ranhuras
no cruzamento
com desbordantes criaturas.
Tirar dos ombros
esse peso: descarregá-lo.
Fardo.
Como se descarrega
um morto, um fantasma
um eu inócuo, torto.