Volta ao mar

A muralha escura se formou para os lados da Praia do Forte, em São Francisco. Alta, compacta, avançou sobre o mar em nossa direção. Em minutos, a tarde azul se transformou em crepúsculo assustador. Espuma branca nas cristas das ondas que deixaram de ser o doce balanço entre o côncavo e o convexo para se transformarem em ameaça para nosso pequeno barco com um velho motor de centro, e nós sem bússola. Com o arquipélago dos Tamboretes a poucos metros, fizemos a pior escolha: rumamos para a Ilha dos Remédios. Por instinto, direcionei a proa para o destino e marquei a direção do vento – deixei-o mordendo a ponta da orelha: agora tinha uma bússola, embora sujeita a humores imprevisíveis – e a ilha sumiu.

Navegávamos em altos bem altos e baixos bem baixos, procurando a menor onda no meio da quase escuridão, corrigindo o curso sem a mínima certeza de sua precisão, na convicção de que a próxima onda nos afundaria. E se afundasse, nadar em que direção? Motor “no talo”, pois não havia outra forma de ter um pouco de leme, torcendo para não ver um parafuso imprescindível soltar-se daquela carcaça carcomida, conversávamos e ríamos ( o medo faz coisas...). Por falta de tempo, não entramos em desespero total.

Uma hora e tanto depois, quase batemos nos rochedos da Ilha dos Remédios, a bússola funcionara!

Não foi a única tempestade que ensinou o que significa “como uma casca de noz”, apenas a mais assustadora. Talvez a mais bela.

A “barra do dia”, que é como os pescadores chamam o amanhecer, quando o Sol empurra algumas nuvens para o lado e se instala soberano; no “mar azul”, em dia de calmaria, as colinas de ondas grandes e suaves; o planar assustado do peixe voador; os efeitos do cinzel aquático nas rochas; a beleza perigosa do ouriço do mar; o peixe escondido que promete uma luta memorável; o nada fazer, o nada pensar, sentado na areia; o encasacar-se no inverno e chegar o mais perto possível de onde as ondas da ressaca se espatifam, encharcar-se com seus restos e deixar a água escorrer e embaçar os óculos; o navegar com o vento Nordeste a esticar a vela, fazendo o minúsculo veleiro rasgar a água qual cavalo bravio; tudo pode repetir-se sempre, e voltamos lá.