"QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ"


No princípio era só barro, lama ou poeira. No princípio não havia casa; eram barracos de madeira, erguidos clandestinamente, no meio do cerrado. Depois, a distribuição de lotes assentou muita gente por meio de concessão. Para legalizar o que antes era invasão a futura cidade exigiu planejamento e dele partiu a especulação. Houve um belo traçado de quadras retas, largas e planas de que se originou uma das mais bem planejadas cidades. “Quem te viu, quem te vê” dizem todos que torciam o nariz para aquela nova cidade “satélite”, nome que se dá aos bairros na periferia do Plano Piloto.

Ceilândia está para o Distrito Federal como São Cristóvão está para o Rio de Janeiro. Ambas têm características idênticas a começar pela origem populacional em grande parte nordestina, e tendo um ponto de encontro comum: a feira. É neste reduto barulhento e confuso onde o desordenado varejo se espalha, se mistura e reúne tanta gente, que os quase quinhentos mil ceilandenses transitam. E não só eles, mas visitantes de todas as regiões, atraídos pelo cheiro e sabor daquelas comidas típicas, pelo som inconfundível da musicalidade compartilhada com violeiros, repentistas e o mais autêntico forró com sanfona, triângulo e zabumba. Quando eu ia ao Fórum de Ceilândia, o meu colega Afrânio levava-me à feira e mostrava-me aquelas comidas pesadas: sarapatel, dobradinha (panelada para eles), rabada, assados e cozidos variados, e o famoso mocotó. - Come aí cara! Vai ver como é gostoso, “véi”. Mas eu cismava, mesmo vendo os peladeiros após uma partida, reabastecerem as energias com o tal mocotó. Dona Francisca, orgulhosa do seu cardápio, me dizia sorrindo: moço bonito experimente isto, com pimenta! E o marido dela dizia: Dá muita sustança! Sustança? Tesão, explicava Afrânio. Eu dava uma risada e respondia: Ah, eu já nasci quente. Quer que o escorpião trepe nas paredes?

Ceilândia é um significativo pedaço do Nordeste brasileiro aqui no Planalto Central. Isto mereceu um templo projetado por Niemeyer, - Casa do Cantador -, onde os poetas repentistas se apresentam. Mas a cidade não é só isso. A famosa Caixa d’Água, bem no centro, é o principal ponto de referência e símbolo na bandeira de que se orgulham os moradores.

Quem chega a Ceilândia hoje fica deslumbradamente surpreso com o crescimento que a levou ao progresso equitativo e constante nestes 42 anos. Comércio intenso, área residencial valorizada pelos condomínios privados, apartamentos em prédios luxuosos, estações do metrô, e muito mais, além de ser a primeira cidade a sediar um campus extensivo da UnB. Hoje, podem dizer os moradores a quem a discriminavam: Ceilândia não é pra qualquer um. Ceilândia “não é fraca não”. Muitos que nela residem, não moram no Lago ou Park Way porque não querem. Parabéns, Ceilândia, pelo teu aniversário. Ao revisitá-la é muito bom dize-te: “Quem te viu, quem te vê!”

LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 23/03/2013
Reeditado em 26/03/2013
Código do texto: T4203522
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