... um pingo é letra.

Ontem eu me chateei com você. Eu estava com saudades

e quando a abracei, você não correspondeu. Seus braços

ficaram descidos, moles. Então, me afastei. Aí, você se

ligou no racional, nas tarefas domésticas, antenada no horário

do jornal. Eu fiquei ali, na cozinha, tal qual um ponto final. E

você, um furacão: cuidou dos gatos, lavou as vasilhas,

preparou um lanche e me disse que ía assistir novela... Eu

lanchei, sozinho, na cozinha. Você levou o seu para a sala da

TV. Quando fui para lá, a novela já tinha começado. E mesmo

nas propagandas, você se mantinha afastada. Aninha no

Facebook, o silêncio entre nós. Os gatos pularam para o sofá

e abriram mais a distância. Eles se enroscaram em você e

receberam toda a atenção. Assim que a novela acabou, você

procurou um filme e aí foi demais. Questionei. " Tá tudo bem,

tô cansada, dor no pescoço, muito trabalho, deixa de ser

chato, tô preocupada, é coisa minha lá na clínica, num tô pra

conversa hoje, nem pra carência de ninguém, blá, blá,blá,... "

Carência? Deixei você no seu mundo. Sei do seu absolutismo e

auto-eficiência. Mas também me conheço. Voltei para o meu

apartamento e vou dar um tempo. Afinal, pra quem entende um

pingo é letra...