O curioso caso da menina que sabia

Teve a vida inteira para se entender. No auge de seus quatorze anos percebera algo diferente no olhar das pessoas, na inquietude que causava aos pais, e em seu próprio isolamento, que apontava uma direção contrária ao que haviam estabelecido. Na solidão da adolescência aprendeu a observar o mundo. Conheceu Bach, Betoveen e Chiquinha Gonzaga. Sabia de cor as canções de guerra e de paz, os generais depostos e os líderes revolucionários. A menina de poucas palavras escrevia escondido no quarto enquanto todos dormiam. Não imaginavam que dali brotava sua arte de viver e rejuvenescer a cada dia.

Seu caso é curioso. Nasceu sabendo. Tinha respostas e poucas perguntas. Parecia não sofrer de ansiedade comum nas crianças. Sua meninice foi no mundo adulto. As brincadeiras infantis deram espaço ao estudo da mente e do comportamento das pessoas. A solidez lhe acompanhou durante parte da vida. Pau é pau, pedra é pedra. Era preciso viver prevenida, atenta, segura. Não se permitia viver além do concreto, do já conhecido. A mulher não dava espaço a menina. Julgava conhecer a verdade.

Até que um dia encontrou num espelho a imagem nunca antes revelada. Descobriu que estava jovem, ansiosa e cheia de interrogações. A dúvida se estabeleceu de tal forma que de súbito esqueceu as respostas. A maturidade precoce lhe roubara a curiosidade pela vida. O deslumbramento do saber não permitiu compreender a simplicidade da alegria real, próxima das pessoas e de sua natureza selvagem.

De posse de seu novo corpo, ela instintivamente começou a entender o que devia morrer e o que precisava ficar. Despertara de uma vivência sem intimidade consigo mesma. Era um oráculo e uma desconhecida sem vibração e intuição. Das certezas que a sabedoria nunca dá viera o desejo de revidar o tanto que o medo lhe tomara. Começou a saborear o doce da aflição, a acidez no estômago da expectativa e a náusea de ter feito uma escolha equivocada.

Sempre que vinha a certeza de que estava pronta, alimentava o desejo de partir, de experimentar, de errar de propósito e recomeçar de um novo ponto de partida. O corpo era apenas uma condição. A mente uma ruptura. A mulher descobriu-se em perfeito funcionamento. Idade, mente e coração vibrantes. Da vida secreta, de vontade silenciada e contida, surgiu uma menina exibida sem pressa de crescer.

Cláudia Sabadini
Enviado por Cláudia Sabadini em 30/03/2013
Reeditado em 27/02/2024
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