A percepção do outro

Egocentrismo, individualismo e egoísmo: palavras que se entrelaçaram para ganhar força e vida própria com o desenvolvimento das sociedades até a chegada da atualidade; e aliadas à degradação da sensibilidade humana, afloraram a torpeza intrínseca a esses seres para a formação do “universo do eu” em que vivemos.

Desse modo, não encontro definição conjunta mais adequada, uma vez que o homem, naturalmente, se esqueceu de olhar para o próximo em todas as esferas de sua vida (família, trabalho, escola, igreja, vizinhança, entre outras). Com mais intensidade, ele tem enxergado apenas interesses pessoais e ultrapassado todos os limites do individualismo na procura do seu almejado “espaço no mundo”, nem sempre conquistado. Essa busca desenfreada gerou um círculo vicioso de males existenciais, conflitos psicológicos - e conseqüências sociais - que são percebidas e sentidas por qualquer observador mais atento.

Gestos simples como: bom dia, boa tarde, boa noite, desculpa ou obrigado deixaram de ser praticados; então, se forem direcionados a pessoas humildes são raridades. Normalmente, o homem só percebe o outro se ele tiver uma condição econômica ou social mais privilegiada que a sua e possa lhe trazer alguma vantagem. Creio que generalizei, pois a cada dois anos sorrisos e abraços viram epidemia entre políticos e afins. Nessa mesma época, a população mais carente ganha um sopro de existência; afinal, esses belos gestos são diretamente proporcionais aos votos recebidos.

Há quem afirme que o Capitalismo - dito por muitos como selvagem – acelerou o desenvolvimento do egocentrismo; para eles essa prática já é senso comum. A valorização da disputa, o ser melhor que outro, a ambição desmedida, o correr contra o tempo, a necessidade da autosuficiência, o “ter em detrimento do ser”; tudo isso não deixa espaço em nossas mentes para pensar no outro; nos mais próximos então, para quê? Quem sabe o socialismo teria sido melhor para a humanidade? O stalinismo russo ou o comunismo cubano nos fazem indagar até que ponto teríamos uma resposta afirmativa. Assim, creio que socialismo, comunismo ou similar é utopia; afinal, em qualquer modo de produção o próprio homem será o gestor, bem como alguém tem que explorar mão-de-obra para ganhar dinheiro e prestígio com isso.

Numa vertente mais intimista, constatamos que o individualismo chegou num grau tão elevado que o homem imagina que problema grande é sempre e unicamente o seu, seja financeiro, de saúde, relacionamento, familiar ou trabalho. Esse não consegue se projetar no outro para perceber que aquela pessoa que está ao seu lado pode ter um problema com dimensão muito maior, e solução aparentemente mais distante. O egoísmo ainda venda os olhos do indivíduo para que esse nunca admita seus erros e responsabilidades; o outro é sempre o culpado pelos infortúnios de sua vida; contudo, quando a solução do mal é encontrada, o mérito da ajuda nunca será dado ao próximo.

Por oportuno, verificamos que nas famílias há um abismo cada vez mais intransponível entre seus membros; o egoísmo ganhou destaque e o outro se tornou imperceptível. Casais não se compreendem; pais pouco se importam com os problemas dos filhos; filhos estão perdendo o respeito e admiração pelos pais. Nas casas são formadas várias ilhas particulares, e isso independe de classe social ou grau de instrução familiar; a televisão e a internet são consideradas as vilãs, mas a concentração dessa culpa é injusta. O diálogo da família praticamente deixou de existir, o contato foi para segundo plano, a distância aumentou, a amizade foi dissipada e estranhos passaram a dividir o mesmo teto.

O resultado disso é um impulso para a traição, separação do casal, busca por drogas (álcool, cigarro ou ilícitas), doenças da mente (ansiedade, depressão, pânico), crises financeiras, brigas, violência, e em casos mais extremos a criminalidade. Pais, filhos e casais não vivenciam o real significado de família; o outro só é enxergado quando uma inesperada morte os separa; nessa hora, lágrimas, arrependimentos ou velas acesas não modificam a história do amor negligenciado.

E a quem se deve atribuir a culpa disso tudo? Creio que à própria natureza humana; a História não me deixa mentir. Desde os primórdios, interesses pessoais geraram guerras, mortes, miséria, destruição, escravização de homens, subjulgamento de povos e nações, bem como a destruição da maior instituição de todas: a família. O amor ensinado por Cristo aos homens raramente foi exercitado. Amou-se ao dinheiro em detrimento do semelhante; buscou-se a riqueza material no lugar do crescimento pessoal; esqueceu-se de amar o próximo como a si mesmo. Constatamos isso nas diversas instituições sociais, nas ruas, debaixo das pontes, nos semáforos, nos programas policiais, nos noticiários de TV, internet e jornais. Tudo isso se converge para uma única palavra: caos.

Assim, não concordo com Rousseau quando afirma que “os homens nascem bons, a sociedade é quem os corrompe.” Eles nascem maus; a sociedade e as famílias desestruturadas ajudam a aflorar seus instintos adormecidos mais perversos. Desde a infância, eles são ensinados a ser egoístas, a odiar, a se revoltar, a desprezar, a humilhar, a não respeitar o próximo, a não se importar com o sofrimento alheio, a supervalorizar o dinheiro. O verbo amar (quando não for a si mesmo) está em desuso; logo mais a percepção do outro será algo ultrapassado e os homens não enxergarão nada além do seu reflexo deturpado no espelho.

Todavia, de forma onírica, desejo que esse quadro seja revertido, e espero estar vivo para presenciar uma humanidade altruísta e solidária; muito embora - ante a realidade atual – seja algo improvável de acontecer.

Robson Alves Costa

(31/03/2013)

Robson Alves Costa
Enviado por Robson Alves Costa em 01/04/2013
Reeditado em 29/04/2013
Código do texto: T4218031
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