Conversa de bar

Conversa de bar




E, pensando melhor, o título mais apropriado seria “Obrigado, Leo”, pois esse texto foi parido 55 minutos depois de ter lido o Leo e as 10 músicas por ele escolhidas.

Como a prolixidade, ou se preferir, um misto de infinitos pleonasmos e inverossímeis redundâncias estão acoplados no meu sistema desde o dia em que nasci, alerto o leitor que as 10 músicas aqui listadas não vem por ordem de importância, e que os comentários são pura conversa fiada de um tiozinho eternamente atônito.

1. “Prato Feito”, do Toninho Horta. Especificamente a gravação do Toninho com o guitarrista canadense Pat Metheny.
Da primeira vez que ouvi essa versão, cerca de 30 e poucos anos atrás, me veio a sensação de se tratar de um dos hinos informais do Brasil. Existem vários, “Aquarela...” é um deles, Gonzaguinha fez outro, por aí vai, mas essa versão do “Prato Feito”, toda vez que eu ouço, vejo um filme brasileiro projetado no céu, um troço que só existe na minha cabeça, repleto de coisas, inclusive uma palmeira e um sabiá.

2. “Gente Humilde”. Nunca tinha ouvido “Gente Humilde” até 2006, quando um amigo me deu um CD e indagou: você conhece isso aqui? Renato Russo interpreta e Hélio Delmiro descasca o violão. Fiquei bem uns três anos em transe, e não sei se o Leo se lembra, mas foi ele quem me esclareceu por e-mail a autoria. Salvo engano são 4, Chico e Vinícius constam.

3. “Com açúcar com afeto”. Bom, o que você quer que eu diga, que o Chico será canonizado quando eu me tornar o Bispo de Roma? Relaxe, isso já está na minha pauta. Não sei o que é que essa música tem, mas como estamos num boteco (poderíamos estar numa praça, acho até que seria mais agradável...), janeiro de 2.000, eu sentado ao lado da motorista, num carrinho mulambento, numa estrada de terra, sol, verão, férias, e de repente o toca-fitas demonstra: “Com açúcar com afeto, fiz seu doce predileto, pra você parar em casa...”. Sei lá por que fiquei com os olhos cheios de lágrimas.

4. “Rancho Fundo”. Mentira se te disserem que eu sabia quem era Lamartine Babo em 1982, mas a questão é que o senhor Jorge Cordeiro havia acabado de chegar do estúdio com essa fita, produção e arranjo dele, e, bem, eu estava começando a ter aulas de violão com 22 anos de idade, ele era um sujeito extremamente educado para me dizer com todas as letras que só um retardado se mete numa empreita dessas aos 22, ele estava, salvo engano, há uns 12 meses tentando me ensinar “Wave”, enfim, ele colocou a fitinha pra rodar, era um aluno dele quem cantava, um vozeirão da porra, me desculpe a expressão, e minha cabeça foi pro espaço, como se eu estivesse num planador sobre campos mui verdes, e o senhor Jorge falava, olha os violinos, vão entrar agora... Me lembro disso como se fosse hoje, me lembrando também que um dia fui jovem e que os ventos eram outros.

5. “Wave”. Um negócio que sempre me chamou a atenção nessa música é a quantidade de gringo que a executou, e, calma lá, se você disser que foi a demanda de mercado que os impeliu eu retruco, tudo bem, mas o ponto crucial está no amor com que esses caras a executavam e de cabeça me lembro de duas versões: uma com o Paulinho da Costa, Oscar Castro Neves e Joe Pass, outra com o Pass e o Peterson, e te juro que a impressão que me vem é que os gringos, ou os músicos em geral, aqueles que ressoam com a ressonância “Wave” passaram tão apenas a entoar uma espécie de ode de gratidão, que em suma assim expressa: obrigado Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim por nos presentear com esse macrocosmo que mexe com nossas cabeças, nossos corações e nossos talentos.

6. “Como uma onda”. Que fique claro que no meu governo (você já leu Ministério RL?) as rádios só poderão reproduzir a versão de lançamento e nada mais. Eu estava estacionando meu automóvel embaixo de uma mangueira, fim de tarde, e a música começou a tocar, então eu me vi refém desse trem musical inexplicável, me acomodei novamente, aumentei o volume e exclamei: que p#^$@!! é essa?

7. Ok, o papo tava muito bom, mas pelo visto isso não vai ter fim. Neste instante me vejo num processo em que outras músicas descem na minha mente, estou vendo “Muito Romântico”, “Charlie Brown”(Eh! Meu amigo Charlie..), “Brejo da Cruz”, “Romaria”, “Refavela”... Pause. Sete é uma boa conta de mentiroso, agradeço muito ao Leo por essas duas horas onde estive entretido nesse palavreado insólito, ora teclando, ora fumando, ora na janela e, palavra, toda vez que eu ia até a janela surgia: a Rita levou meu sorriso, o sorriso dela meu assunto...


(Imagem: Yoann Lossel)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 04/04/2013
Reeditado em 27/05/2021
Código do texto: T4223413
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