A força das palavras

Lilia, inteligente menina, morava numa chácara em Carmo da Mata. Gostava muito de ouvir histórias contadas por seus pais e não via a hora de completar sete anos e poder frequentar a escola. Assim ela mesma poderia ler nos livros e também escrever suas próprias histórias.

Chegou a hora tão esperada. Lilia vai morar com a avó na cidade e dedica-se com afinco aos estudos. Para chegar à escola, ela seguia todos os dias por uma longa rua comercial e se encantava com as vitrines das lojas. Mas Lilia precisava se apressar, pois trancavam-se os portões, após alguns minutos do apito inicial.

Na volta, a menina tinha mais tempo para se admirar perante vitrines de tanta beleza e seus olhos buscavam aquilo mais de seu agrado. Passando por uma loja de calçados, encantou-se com uma sandália que estava na exposição. A curiosidade entrou em cena e tratou logo de saber o preço. Seguiu tão feliz para casa, já sentindo que ganharia aquele calçado, que “cantaria” em seus pés. Criança é assim. Sempre antecipa as coisas, o sonho fala mais alto.

Logo contou para a avó que a aconselhou a esperar o final da semana, para pedir ao pai a quantia necessária, a fim de efetuar a compra.

O sábado demorou muito a chegar e no domingo ela estava com o dinheiro contadinho na bolsa.

Na segunda-feira, Lilia foi a primeira freguesa a entrar na loja do Sr. João e qual não foi a sua decepção, quando ele falou que já havia vendido aquela sandália. Mas que em breve viria outra remessa. Que ela passasse ali de vez em quando para conferir.

Lilia, aflita, todos os dias passava na porta da loja e perguntava ao Sr. João, no entanto a resposta vinha sempre negativa.

Sua avó primava pela prudência e aconselhou a netinha:

— Lilia, o Sr. João é muito nervoso. Não passa lá todos os dias. E tem mais, ao falar com ele, tenha todo o cuidado, se lhe chamar pelo apelido de João Cabaça, ele é capaz de lhe bater. É o que ele mais odeia!

— Fique tranquila, vó, eu nunca vou dizer assim.

Lilia apavorou-se de preocupação. Nem por um descuido o chamaria pelo apelido, ou poria tudo a perder.

Sempre ao passar perto da loja ela pensava:

— Não posso chamá-lo de João Cabaça, não posso chamá-lo de João Cabaça.

Acabou a aula, Lilia foi saber notícias da encomenda, sempre com o maior cuidado com as palavras:

— Não posso chamá-lo de João Cabaça...

A menina não supunha que aquilo que pronunciamos todo o tempo ganha força. Mal adentrou a loja, viu o Sr. João no balcão, fazendo alguns apontamentos, e lhe perguntou à queima roupa:

— Sr. João, a cabaça chegou?

Nisto, ela percebe o tropeção e sai correndo para nunca mais passar em frente àquela loja. Adeus, sandália!

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 04/04/2013
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