Desenterrar cadáver.

José desperdiçara grande parte de sua vida. Como pai fora negligente diante de momentos capitais do crescimento dos filhos. Como marido descuidara-se de regar a relação com a flor do amor. Como filho não dera devida atenção aos sábios conselhos de seus pais. Como profissional agia com desrespeito a tudo e a todos, o que lhe impedia de ficar por muito tempo em uma empresa.

Não foram poucas as vezes que passava dias e dias fora de casa, retornando ao lar em lamentável situação imposta pelos efeitos dos vícios de todos os matizes.

Assim fora José por longos anos, todavia, uma vida dessas traz fadiga moral a qualquer um, e com ele não fora diferente. Cansado de se debater consigo mesmo, desabafou com um dos poucos colegas que ainda tinha. O colega, condoído de sua situação, convidou-o a freqüentar a religião “A”. Como queria sair mesmo da situação de desenganos que se encontrava, José aceitou o convite.

Naquele recinto religioso começou a nascer o novo homem. José se maravilhava com as lições do evangelho. Ficava a pensar em como se equivocara durante toda a vida. Queria compensar o tempo perdido, dedicar atenção aos filhos, pais, esposa, deixar os vícios... José estava esperançoso, queria nova vida e faria sacrifícios para coibir suas más inclinações, dali em diante nasceria um novo homem, disposto a se modificar e viver as canções que canta o evangelho. Chega de desregramentos! Para José o que interessava era o presente, o passado seria um cadáver enterrado, que serviria apenas para lhe mostrar como não se deve agir.

E foi ele atrás do tempo perdido... Dedicou-se à família, arrumou novo emprego onde respeitava a tudo e a todos... José foi além, arregaçou as mangas e se entregou aos trabalhos desenvolvidos na instituição religiosa que freqüentava, gradativamente se modificava, seu semblante antes tenso, agora era sereno, sua voz titubeante pelos efeitos da bebida alcoólica, dera lugar ao verbo inspirado a palestrar as lições evangélicas pelo Brasil afora. Não que se transformara em Santo da noite para o dia, nada disso. Porém, agora José se esforçava por se conhecer e se melhorar, dia a dia, era um trabalho intenso, difícil, contudo, extremamente compensador.

No entanto, mesmo com a grande modificação em seu comportamento, muitas pessoas tratavam de desenterrar o cadáver do passado e salientar a vida desregrada que José um dia levara.

Ele, porém, não se preocupava com isso e seguia adiante, afinal, mesmo que alguns quisessem menosprezar seus esforços, o cadáver do passado estava definitivamente enterrado, José era agora um Novo Homem.

Muita gente gosta de desenterrar o cadáver do passado da vida alheia.

Mesmo que alguém tenha efetivamente mudado seu comportamento, fazem questão de mostrar aos outros o lado negativo que aquele pessoa teve.

Esses paladinos da verdade costumam inclusive classificar de hipócrita alguém que está se esforçando por modificar uma má inclinação.

É comum proferirem frases irônicas, do tipo:

- Aprontou e agora posa de Santo!

Lamentável essa tendência. Criticar pelo sabor de denegrir a imagem alheia, basta ter uma língua afiada, todavia, para perceber um equívoco, e lutar por modificar uma postura, temos de exercitar algumas potencialidades:

· Humildade para admitir os enganos.

· Coragem para encarar as dificuldades que a mudança exige.

· Esforço para não se deixar vencer pelos vícios.

· Perseverança para insistir trabalhando pela reforma íntima, porquanto ela não é realizada da noite para o dia.

Para que nos livremos da nociva atitude de ressaltar a fragilidade do semelhante, se faz mister que apliquemos essas questões a nós mesmos. Imagine, caro leitor, as agruras e os árduos combates existenciais que comumente enfrentamos, o esforço que fazemos por desempenhar nossas lições de vida com dignidade, muitas vezes travando lutas internas ferozes para vencer os vícios que teimam em nos chamar, e mesmo diante desse exercício constante, nos deparamos com sorrisos irônicos e frases debochadas a tentar nos desanimar a subida desse degrau existencial.

Como nos sentiríamos se isso acontecesse conosco?

Coloquemo-nos sempre no lugar de quem tenta se melhorar e sofre críticas ferinas, destrutivas, e teremos então a certeza de que o melhor é apoiar quem a duros combates empreende a iniciativa de deixar a vida do Homem Velho para fazer despertar o Homem Novo.

Pensemos nisso.

Wellington Balbo
Enviado por Wellington Balbo em 23/03/2007
Código do texto: T422765