Gestos urbanos

Semana passada Porto Alegre viveu um fenômeno, no mínimo, fora do comum. Após o aumento do preço da passagem do transporte coletivo, que foi causa para passeatas em oposição, o porto-alegrense pôde voltar a pagar o preço antigo. A cidade proporciona algumas isenções específicas para uso nos coletivos, como a dispensa do pagamento da segunda passagem para o trabalhador que precisa utilizar dois ônibus para cada deslocamento do trajeto residência-trabalho. Tudo isto foi pesado nas contas.
Lembrei-me de outro movimento popular, divisor definitivo de águas entre um período e outro neste país. Era outono de 1984, também abril, quando se reuniram brasileiros de todas as idades, cores, gostos. Do ano anterior, o movimento pelas "Diretas Já", se espalhava em proporções gigantescas, quando mais de um milhão de brasileiros se achegaram ao vale central de São Paulo. Vestidos de verde e amarelo, cada grupo que chegava se unia aos primeiros num coral de duas palavras.
Ainda que houvesse a convocação inicial para ir à praça, a orquestração espontânea surgiu com a maestria do coração, onde um grupo em um canto perguntava e o outro mais distante respondia, repetidamente:
- “O que vocês querem?”
- “Diretas!”
- “Quando?”
- “Já, já, já!”
Depois, ao canto do Hino Nacional, o povo chorou.
O tempo passou. Muitos de nós desfrutamos de cômodos meios de comunicação, como celular, internet, imagens perfeitas na televisão. A militância se tornou decepção. Para outros, consiste em falar mal dos eleitos. Eleitos por ninguém, aparentemente... Por falso comodismo, é fácil esquecer que passamos procuração para alguém nos representar apenas em assuntos que não podemos resolver diretamente. No entanto, convém lembrar que mantemos parte da responsabilidade sobre o que der e vier.
Sozinhos, não podemos fazer muita coisa. Assim, quando vejo gestos, como os da semana passada, comovida penso que não perdemos o jeito.