Apegos, por Martha Medeiros na Revista O Globo de 7 de abril de 2013.

Dizem alguns filósofos: o apego é a causa de todas as nossas do­res emocionais. Concordo, mas faço ressalvas. O apego também provoca inúmeras alegrias e satisfações. Não faz sentido evitar fi­lhos, paixões e amizades a fim de se proteger de tristezas, preocu­pações e frustra­ções. Passar uma vida inteira desape­gada das pessoas seria entregar-se ao vazio existencial — e nunca ouvi dizer que isso gerasse bem estar. Desape­gar-se em troca de paz é uma falácia, só demonstra co­vardia de viver.
  Não haveria um caminho do meio? Xeretando ainda mais os livros de fi­losofia, encontrei algo do romeno Ci­oran que me pare­ceu chegar bem perto de uma saída para o impasse. Diz ele que a única for­ma de viver sem drama é suportar os defeitos dos demais sem pretender que sejam corrigidos.
  Eis aí uma fórmu­la bem razoável pa­ra não se estressar. Continue apegan­do-se, mas mante­nha 100% de to­lerância com todos. Em tese, é perfeito.
  Em menos de poucos segundos, consigo listar tudo o que me incomoda nas pessoas que mais amo. Conseguiria listar também o que me faz amá-las, é claro, mas o ser humano veio com um chip do contra: os defeitos dos outros sempre parecem mais sig­nificativos do que suas qualidades. Depois de um longo tempo de convívio, aquilo que nos exaspera torna-se mais relevante do que aquilo que nos extasia.
  Pois a recomendação é: exaspere-se, se quiser, mas saiba que não vai adiantar. Nada do que você disser, nenhuma cobrança, nenhum discurso, nenhuma chantagem, nenhuma novena, nada fará com que os defeitos do seu pai, da sua mãe, do seu marido, da sua mulher ou dos seus filhos desapareçam num passe de má­gica. Assim como os seus também jamais evaporarão, por mais que os outros re­zem e supliquem pra você deixar de ser tão .......... (preencha os pon­tinhos). Você é ca­paz de reconhecer seu defeito mais insuportável?
  Só mesmo pas­sando uma longa temporada num mosteiro do Tibe­te para desenvol­ver a capacidade de aceitar tudo o que nos tira do sé­rio. Seu filho indi­ferente, seu mari­do pão-duro, sua mãe mal-humorada, sua amiga carente, seu chefe durão, seu zela­dor folgado, sua irmã fofoqueira, seu colega chato­nildo imagine que paraíso se pu­déssemos relevar essas e tantas ou­tras diferenças, comungando com os defeitos alheios sem nunca mais esperar que os ou­tros mudem. Deixar de esperar é uma libertação.
  Pois não espere mesmo, pois ninguém vai mudar nem um bo­cadinho. Nem você, nem aqueles que você tanto ama, por mais que você pense que seria fácil alguém deixar de ser ranzinza, or­gulhoso ou o que for. Aceite todos como são, e aleluia: drama, nunca mais. Se conseguir, tem um troféu esperando por você, além de prêmio em dinheiro e uma foto autografada do Buda.
 
Martha Medeiros
Enviado por Germino da Terra em 08/04/2013
Reeditado em 08/04/2013
Código do texto: T4229394
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