Bastou um pouco de luz

Ou escondiam ou fingiam que não viam, mas todos sentiam

um grande alívio quando havia disfarces, quando a condição não

aparecia, disfarçada com roupas, atitudes, discursos iguais aos

outros. Ser igual, mesmo que medíocre e hipócrita, era melhor do

que mostrar a condição. Piadas de todos os gostos eram contadas

em bares e homens de camisas abertas, barba por fazer e lisos

cabelos batiam nas mesas, chorando de tanto rir, e só nesses

instantes se via choro em seus olhos.

Alguns saíam ao sol e neles os raios faziam outros desenhos,

refletiam em seus cachos, projetando sombras, desenhando

labirintos. Só neles, e, por isso, incomodavam. Nada, nem ninguém

fora feito para arabescos: tudo já estava planejado, liso, direto.

Enquadrado.

Pregadores transformaram o medo em causa sagrada. Já

não era apenas o estranhamento do diferente; transubstanciara-se

em ofensa aos deuses e aos caminhos por eles estabelecidos.

Hostilizados, primeiro, condenados, logo após. Olhares de

soslaio viraram agressões verbais, depois físicas. Não podiam

ficar juntos e quem dissesse que podiam, era condenado a um

ostracismo humilhante. Pais desconsolados falavam em perdão,

nunca em conceder aos que não careciam dele, mas em fazê-los

pedir pela culpa que não carregavam. Ameaças eram cada vez mais comuns. Algumas se transformavam em ação. Violência já não era novidade.

Vozes poucas e murmurantes começaram a ser ouvidas,

primeiro em círculos restritos, mais tarde, espalhadas pelo vento da

tolerância. O bom senso juntou-se a elas, dizendo que o perdão

estava do lado errado: poderia ser concedido pelos alvos inocentes

e não negociado pelos atiradores cegos.

Um dia, ainda madrugada, com seus cabelos crespos,

reuniram-se na praça, ao lado de um enorme prisma, esperando

o primeiro raio de sol. Crianças – de onde ninguém soube, àquela

hora - se aproximaram, curiosas e perguntavam o que era, como

funcionava. Um pouco de escândalo entre os poucos transeuntes.

Ficaram por lá, sentadas, misturadas, esperando o sol mais

forte. “Basta um raio, e ele se transformará”, explicou um rapaz

aos ávidos ouvidos infantis. “Viva o sol/no céu da minha terra/vem

surgindo/atrás da linda serra”, cantarolava uma adolescente, em

meio à cascata de cachos em sua cabeça.

A luz atravessou o prisma, saiu do outro lado com as cores do

arco-íris. As crianças entenderam.