O Chefe da Casa

Quando Kennedy morreu, eu era um adolescente. Certamente aluno do inesquecível CEJA, Colégio Estadual João Alfredo. No tempo em que o ensino público era de reconhecida qualidade. Como também outras áreas, dentre as quais a própria saúde, não contaminadas ainda pela maciça presença da privatização dos dias de hoje. Acho que não existiam à época os famigerados planos de saúde, que nos trazem tantos problemas quando mais precisamos deles.

Lembro do dia em que visitávamos a casa de amigos muito próximos da família, ali mesmo no Boulevard 28 de setembro, a rua do João Alfredo. O assassinato do líder americano tinha comovido o mundo. E um aluno do ginásio, segmento escolar da época, não ficaria imune a essa consternação. Num dos momentos de prosa com o chefe da casa, manifestei a minha surpresa, e mesmo o desapontamento, diante do fato que suscitara o maior estardalhaço midiático na ocasião. Bem maior do que aconteceu agora com a morte de Thatcher e mesmo com a do Chávez. Sem dúvida pelas características trágicas do acontecimento.

E surpreendi-me também com o chefe da casa que, balançando a cabeça, disse-me que “as coisas não eram bem assim”. Que Kennedy “não era lá essas coisas”. Fiquei confuso. Não entendi nada ou não entendi direito.

Entretanto, vejo hoje que estaria na mesma condição daquele chefe da casa se recebesse um menino de mais ou menos 16 anos que viesse lamentar o desaparecimento de Margaret Thatcher. Embora o fato não tenha ocorrido da forma trágica que vitimou Kennedy.

E estou muito longe de me surpreender com os depoimentos que leio, não em nossos jornais, ou escuto, não na nossa mídia televisiva, mas nas redes alternativas ou sociais que acessamos pelo computador.

Como os que atribuem à chamada “Dama de Ferro” o “perverso modelo econômico neoliberal que colocaria fim ao estado de bem-estar social”, com o atropelamento dos direitos trabalhistas, a disritmia do setor financeiro e privatizações em larga escala de empresas do estado.

Não me choca saber que “Thatcher propôs ao ditador militar João Figueiredo vender todas as nossas empresas estatais e até mesmo a Amazônia para o pagamento de dívidas internacionais”. Que ela teria favorecido as bases do chamado Consenso de Washington, “formulado oficialmente em 1989 e assentado no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial”, que seria um dos instrumentos responsáveis “pela grave crise que sofrem hoje os países da Europa e a que abalou a América Latina nos anos 90”. Que ela tenha sido “o mais destrutivo de todos os primeiros-ministros dos tempos modernos”, segundo o importante diretor de cinema Ken Loach. Que pede, considerando implicações que possam ser julgadas de menor importância, que não nos esqueçamos de que “Thatcher chamou Mandela de terrorista e tomou chá com o torturador e assassino Pinochet”.

E muitas outras imputações contra a “Dama de Ferro” que, se fundamentadas, como parecem, não nos vão permitir o desrespeito com a sua morte, mas também não nos deixarão lamentar a sua perda.

O que nos chama a atenção no momento, e que particularmente me faz perder tempo com essas bobagens que escrevo, é que hoje o ideário de um jovem de 16 anos pode ser construído de forma diferente. Haverá chances de que ele se forme a partir de uma visão mais ampla. E que suas lamentações e desapontamentos sejam arrancados de dentro de si mesmo, e não essencialmente fundamentados no choro e consternação vindos do exterior. Tipo, vamos chorar porque está todo mundo chorando. Ou vamos fumar porque está todo mundo fumando. O que acontece também com a religião. Vamos acreditar porque todo mundo acredita.

Não é porque quanto maior seja a verdade – e muitas vezes ela só é maior porque todos operam para que ela seja – que não vamos nos dar ao trabalho de suscitar algum tipo de dúvida.

Rio, 12/04/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 12/04/2013
Reeditado em 13/04/2013
Código do texto: T4236492
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