A ESCOLINHA

Lembro-me da escola primária como se ainda fosse hoje! Era um patronato, ou seja, funcionava segundo a égide da igreja, com freiras a imporem a disciplina e professoras extremamente rígidas e implacáveis ministrando as aprendizagens julgadas necessárias ao fim de quatro anos, a então instrução primária. Estávamos no final da década de cinquenta, início da década de sessenta, durante os dias úteis da semana, a par das aulas normais, eram repetidamente exibidos slides sobre temas religiosos e aos sábados de manhã havia ordem unida, ou seja, os meninos (era uma escola só de rapazes, não havia misturas, as meninas tinham escolas próprias) andavam a marchar durante cerca de uma hora e meia para um dia se transformarem em homens obedientes, crentes e bons chefes de família.
Em cada classe (ano de escolaridade), os miúdos eram agrupados sem qualquer preocupação etária, no mesmo nível havia, por exemplo, crianças com sete ou oito anos e outros com doze ou treze anos. Ora os mais velhos tinham óbvias dificuldades de aprendizagem e por isso eram sistematicamente vítimas dos métodos educacionais  da nossa professora, a Dona Carlota; levavam diariamente, como estímulo cognitivo, algumas doses de reguadas, dadas com "a menina dos sete olhos", como aterrorizadamente chamavam a um pedaço de tábua parecido com uma colher de pau, rígida, de espessura razoável e perfurada na parte circular. Mas na maioria dos casos o castigo não espevitava a memória nem o engenho...
Recordo em particular o Cristóvão, um moço alto e franzino, filho de gente muito humilde, que era vítima costumeira desses hábitos. Um dia fartou-se e deixou de vir à escola. Infelizmente nunca mostrou grande apetência para memorizar os nomes dos rios e serras de Portugal, ou dos seus reis, para perceber as operações matemáticas, para soletrar na leitura e se esmerar na perfeição das cópias.


FERREIRA ESTÊVÃO - 15/04/2013



Imagem: Pintura de Morgan Weisling