O caso dos girassóis

Com as mãozinhas cheias de sementes, a menina lançava os futuros girassóis pela sacada da casa da avó. O dia poderia estar no nublado de outono ou em qualquer tempo. Mas com as mãozinhas bem fechadas, evitando que qualquer semente escorregasse por entre os dedos, a menina fazia a tarefa do plantio à distância. Com o incentivo da avó, a garota se posicionava decididamente e realizava a sua tarefa naquela manhã.

Tempo de girassóis ! Numa São Paulo fervilhante, a casa da Vila Sônia continuava com os ares dos anos 60. Ou 50, não importa. Uma parte do bairro tinha e ainda tem esse perfil. Casas ainda com algum jardim, o limoeiro em flor na frente da casa da senhora japonesa, o pé de amora ajudando a fazer alguma sombra para os transeuntes, transbordando da casa vizinha. Da frente do consultório do dentista, a figueira exibe seus frutos prontos para o mais saboroso dos doces em pasta. Andando um pouco mais, uma goiabeira com o seu tronco liso e brilhoso, burnido pela natureza. Ali o tempo se mostra mais ameno, poucas neuroses, mais memórias e famílias ainda envolvidas com os seus, se alegrando com as vitórias e não escondendo as preocupações naturais por aqueles que não vão bem.

Os girassóis brotariam, sem dúvida. Acabariam acompanhando a suavidade do sol a iluminar a Terra, essa bolinha azul com seus bilhões de humanos e milhares de espécies incríveis e apaixonantes. Será que os girassóis olhariam o sol apenas com admiração ou será que trariam para nós alguma notícia? Notícias de esperança, na valorização dos sonhos embutidos na sua rara beleza, quem sabe afirmando o quanto é preciso amar, ter disponibilidade emocional e temporal para a contemplação, a mais sadia das atitudes. Ou traria para nós, na sua sutileza amarela, a sugestão de nos maravilharmos com o poder da vida sobre qualquer desastre emocional ou perda de um amor que parecia tão eterno, trazendo uma paz fecunda nos corações desolados, arranhados pela partida de um filho ou de uma mãe ou madrinha que marcaram lugar, se sentaram na sala de estar do nosso coração.

Aquelas sementes foram guardadas pelas mãos generosas e macias da avó da menina. O de melhor aquela senhorinha guardava para os seus iguais e fazia os mais deliciosos bolos, pudins, os doces para as festas, os confeitos. Aos poucos ia comprando e armazenando no armário as latas de leite condensado, o granulado, o coco ralado e os papeis de bala. Na hora certa, tudo a postos. A sala, a cozinha repletas de convidados por horas seguidas, os carros se espreguiçando pela calçada aguardando o momento de retorno. Muitas conversas alegres, lembranças de um passado fecundo , novidades em pauta. Vida em movimento. Sempre nas dificuldades da sobrevivência... mas os girassóis traziam notícias frescas do astro-rei: é preciso persistir, caminhar, buscar o pão nosso de cada dia mesmo a longas distâncias no meio da chuva e do caos. É preciso ter na sala um espaço para as orações. É preciso ter tempo para o diálogo com a existência, com essa vida feita com as matérias-primas mais interessantes e carregadas de sensatez. A minha sogra soube ter essa sabedoria, mesmo nunca tendo frequentado uma sala de aula. Uma imensa competência para viver e aglutinar bons pensamentos, orações, trabalho e integrar os familiares.

Os girassóis na sua grandeza e sensibilidade foram se misturando às roseiras plantadas pelo meu sogro, às pitangueiras. Fizeram parceria com o limoeiro, chegaram perto da mangueira , sempre tão apreciada pelas maritacas. Trouxeram mais cheiro de esperança num tempo de muitas incertezas e insegurança. E alguma solidão.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 18/04/2013
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