SÃO JORGE OU OGUM ? PRA QUEM PEDIR A BENÇÃO?

Hoje é dia de São Jorge, como filho desgarrado da Nilópolis que só existe nas minhas lembranças, fecho os olhos e ouço o som dos atabaques vindos do terreiro de Mãe Sirinha, a Yalorixá mais respeitada da Chatuba, mãe de 12 filhos carnais e uma infinidade de filhos de santo...

Vivia num Ylê pintado de branco com as portas azul celeste ...

Casa de Ogum, Nação de Ketu , mas estas coisas só aprendi depois de muitos anos no carnaval. Quando criança apenas contemplava, espiava à distancia e até hoje não sei se era o medo ou a fascinação que me mantinha de certa forma apartado. Embora soubesse as canções, percebesse a sacralidade do rito e me encantasse com a beleza da liturgia não me envolvia, não me permita participar.

O cheiro de vela, o defumador, a fragrância das ervas maceradas eram uma espécie de portal para um mundo que desconhecia embora estive ali perto da minha casa...

Dia de São Jorge... Festa de Ogum! Durante muitos anos vivi imerso em dúvidas. Quem é quem afinal? E a medida que crescia e atravessava as montanhas fui percebendo que Mãe Sirinha se multiplicava em outras yalorixás, ekédes, iabassês, Iakekerês e em outros babalaôs ,babalorixás, ebomis e ogãs... Gente que falava de Deus sem elucubrações teológicas... Falavam de Deus com uma intimidade que nunca percebi nos sacerdotes católicos... As dúvidas se mantinham...

Só por volta dos 35 anos sintetizei minhas dúvidas. Fiz um enredo sobre João de Camargo, o santo popular de Sorocaba, foi durante as visitas a Igreja de Bom Jesus dos Milagres que Percebi: minha infância fora mágica porque pude sentir que somos um só povo...

Somos o país Católico, mas que a noite, na periferia de todas as cidades, acorda outro Brasil ao som surdo dos tambores dos Minas e dos atabaques Jejês, Ketus, Nagos , Yorubas... Vi que a mãe África renascia do cativeiro, no espaço apertado que lhe fora deixado na Baixada Fluminense, nas favelas, nos morros, nos mangues, espaços que, como mancha de óleo, sem violência, ia penetrando os redutos brancos, espelhando-se, renascendo onde todos a acreditavam morta... Esta África despia a máscara de nossos santos para deixar a aparecer a face iluminadas dos Orixás...

Perceber minha porção África me levou a reconhecer minhas ancestralidades, encontrei o índio, o caboclo, o cafuso, o mulato, o judeu e o muçulmano que formaram o D.N.A. daquele menino que hoje, homem feito e devoto da fé retorna ao terreiro de Mãe Sirinha, e pede a benção.

Salve São Jorge, Ogum-ogumguê !

Salve o Brasil, a pátria do Evangelho e nação do terceiro milênio.