Coisas de índio

Foi no dia 19 que as crianças voltaram da escola com

os rostos pintados e cocares na cabeça, em homenagem ao Dia do

Índio. Há que se dizer que grande parte das manifestações está

mais para sioux, apaches, comanches, navajos, cherokees e

moicanos (opa, esses são da tribo do Neymar) do que para

guaranis, caingangues, nhandévas, xoklengs, potiguares,

kaiowás, terenas, xavantes, ianomâmis, pataxós, por conta do

colonialismo cultural que ainda existe e persiste.

O eurocentrismo de um cristianismo de “guerra santa”, em

que “evangelizar” a qualquer custo era obra divina, aliado à

necessidade de terras e escravos para os brancos europeus que

aqui se fixaram, simplesmente dizimou milhares de nativos pela

matança pura e simples, pela escravidão (que não funcionou com

os índios), pelas doenças e pela cachaça. Para não localizarmos

as atrocidades em um tempo e lugares muito distantes, fiquemos

por aqui: quantos “bugreiros” havia, a soldo dos primeiros colonos e

quantos índios eles mataram? Índio não era cristão, não tinha alma,

incomodava; matá-lo era um favor à civilização.

Bento 16, num acesso de eurocentrismo destrambelhado,

certa vez disse que os colonizadores da América fizeram um

grande favor aos povos nativos por convertê-los.

Fiquemos em nossa região: xoclengs e caingangues vindos

do Oeste do Estado para comercializar seus artesanatos, com suas

crianças sujas e maltrapilhas, nossos guaranis, às vezes em

petição de miséria, e que são tratados mais como empecilhos do

que um povo que já estava aqui muito antes de nossos

antepassados, conflitos de terras, não valorização das crenças,

costumes, valores, conhecimento da natureza e modo de vida dos

indígenas ofuscam as boas iniciativas, como escolas bilíngues,

CDs gravados em línguas nativas, museus, como o do Sambaqui,

e as crianças brincando na praça, em São Francisco, falando

guarani.

Conversei com Orlando Villas Boas um pouco antes de sua

morte, num encontro de tribos indígenas, no litoral paulista. Após

assistirmos a jogos, brincadeiras e até uma cerimônia fúnebre cheia

de danças e significados, muitos índios, todos paramentados,

vieram abraçar Orlando e neles havia uma veneração herdada de

seus pais. Ele sorria enquanto sua camisa branca era tingida de

todas as cores pintadas em seus corpos. Sorria enquanto era

tatuado pelos gratos corações de quem merece mais de todos nós.