A Arte de NÃO ser Cover

A ARTE DE NÃO SER COVER

Jorge Linhaça

Cada ser humano é único, com suas qualidades e imperfeições. Felizmente.

Já imaginaram um mundo onde todos fossem idênticos em seus pensamentos e forma de agir?

Estaríamos fadados a ser personagens do excelente livro de Aldous Huxley “ Admirável mundo novo” , vítimas de uniformização e despersonificação, uma massa uniforme e descaracterizada como eram as tomadas dos filmes do cineasta russo Einsenstein ( Ecouraçado Potenkin) onde as faces eram propositalmente relegadas a um segundo plano.

Na sociedade moderna não estamos muito longe disso, embora exista uma certa diversidade de comportamentos. A questão é que, queiramos ou não, a sociedade é composta de tribos urbanas específicas, ás quais as pessoas se agregam e passam a reproduzir os comportamentos quase que automaticamente.

Assim como uma banda cover só toca músicas de determinado artista, restringindo-se a um nicho de admiradores do trabalho do original, ao adentrarmos as diversas tribos, tornamo-nos cópias imperfeitas ( às vezes quase perfeitas ) dos ícones pré-estabelecidos.

Ora, a diferença entre o original e as cópias é a capacidade de criar ao invés de reproduzir.

Desconheço um cover que faça tanto ou mais sucesso que o original, por mais semelhante que possam ser seus trabalhos.

Todos nós passamos pelo processo de clonar comportamentos quando escolhemos uma referência A ou B para desenvolver qualquer atividade. Isso é lícito e natural, afinal precisamos de um norte em nossa jornada. O grande problema é quando não conseguimos imprimir nossa marca em nossos trabalhos, escravizando-nos e contentando-nos em parecer com outra pessoa ou grupo de pessoas.

Abrir mãos de nossa identidade e particularidades denota apenas insegurança e mesmo uma falta de personalidade que bloqueia o nosso caminho para o sucesso.

Particularmente sou admirador de Gregório de Mattos e muitas vezes minhas temáticas poéticas ( sim, também aventuro-me na arte de versejar) vão de encontro aos trabalho do “Boca do Inferno”. No entanto Gregório é Gregório e Linhaça é Linhaça... Cada qual com suas singularidades ainda que a veia satírica e contestatória pulse em ambos.

Gregório é para mim uma referência, assim como Augusto dos Anjos e Alvares de Azevedo e Luiz Gama. Em meus textos infantis as referências são Lobato, Maria Clara Machado e Ziraldo.

Claro que minhas vivências pessoais, minha formação enquanto ser humano, faz com que seja fácil distinguir entre um e outro.

Seja na área artística, material ou espiritual, ninguém está fadado a ser clone ou cover de ninguém, a menos que isso lhe pareça mais fácil e menos trabalhoso. É assim que vemos repetirem-se comportamentos pouco produtivos cuja desculpa é sempre a mesma. Fulano também não faz ou, Sicrano também faz.

A luz divina brilha sobre todos na mesma intensidade mas nossos talentos e habilidades hão de ser desenvolvidos de acordo com nossos desejos e esforços pessoais.

Alguns tem mais facilidade que outros ( ou aparentam tal condição) ? Claro que sim!

No entanto o que passa despercebido às pessoas, de modo geral, é que essa aparente facilidade ou maior habilidade ou inteligência, são o resultado de, em algum momento a pessoa haver pagado o preço para estar preparado quando a sua hora chegar.

Senão, vejamos:

Alguém que nunca se deu ao trabalho de desenvolver o gosto pela leitura, há de ter muito mais dificuldades em dissertar sobre um assunto do que o que outra. Alguém que assiste filmes por puro entretenimento, sem permitir que sua mente analise as mensagens imediatas ou subliminares do mesmo, terá mais dificuldades em analisar o mundo à sua volta ou as aulas e discursos que ouvir.

Apesar de minhas centenas de imperfeições, ao longo de minha vida ouvi coisas do tipo:

“Você é muito inteligente” “Queria ter a facilidade que você tem para fazer isto ou aquilo”

Em primeiro lugar não sou nem mais nem menos inteligente do que ninguém, deixemos isto claro.

A minha resposta sempre foi: É fácil, pague o preço!

Quer ser um bom mestre familiar? Faça suas visitas e vai aprender a sê-lo.

Quer ser um bom professor? Ame seus alunos, preocupe-se com eles, prepare suas aulas.

Quer ser um bom líder? Lidere ao invés de mandar, mostre o caminho ao invés de falar sobre ele. Seja o guia e não o burocrata que apenas manda.

Quer obter conhecimento? Fique atento ao que ouve, ao que lê, entrelace conhecimento, aplique na prática, estabeleça paralelos entre o dia a dia e aquilo que aprendeu.

Se optar por não fazer essas coisas, será a mesma pessoa carente e admiradora de outros por toda a sua vida.

Certa vez disseram a Paganini (um dos maiores violinistas de todos os tempos) :

Eu daria a minha vida para tocar como você

A resposta do mestre foi: Foi isso que eu fiz!

Imaginem quantos anos de estudos, quantas horas de treino, quantas vezes seus dedos não devem ter sangrado pela fricção com as cordas em busca da nota perfeita, até que ele chegasse a executar suas peças com tanto brilho.

Reza a lenda que Arthur Friedenreich, um dos maiores futebolistas da história do futebol brasileiro ( lá pelas décadas de 1930 e 1940), quando era pouco mais que um molecote, procurou a oportunidade de jogar em um time de futebol. O técnico olhou para ele e disse, volte para casa, desenhe no muro ( ou cerca) um quadrado de 50cmx50cm e quando você conseguir acertar cem chutes de cem naquele quadrado, eu lhe darei uma oportunidade. Foi isso que o mulato, filho de um alemão, fez. Claro que depois disso deve ter sido muito mais fácil encontrar o caminho do gol.

Enfim , poderia ficar aqui citando exemplos sem fim, no entanto vou despedir-me com a mensagem escrita num quadro na sala do presidente Spencer W. Kimball e que resume o caminho para atingir seus objetivos:

Faça-o.

Simples assim.

Salvador, 24 de abril de 2013.