INVEJA E MARXISMO

Eu não tenho quase nada que se possa invejar. Sou pobre, meu emprego é absolutamente modesto, não sou belo, minha inteligência é apenas mediana – apesar de um certo déficit de atenção que poderia anulá-la –, moro numa casa mínima, ando em um automóvel velho, sempre tenho dívidas, raramente vou ao dentista, amo a música e não sou bom músico (muito longe disso, e só uso a palavra músico por falta de outra pra designar minha confusa relação com a criação musical), amo as artes mas não sou bom artista, não sou perfeccionista nem dedicado no campo artístico, nem mesmo sou bom observador de arte, aliás, não consigo ostentar excelência em quase nada que eu faço. Não há em minha pessoa o que justifique qualquer inveja. Portanto, se alguém por acaso vier a me invejar por algum motivo descabido, eu peço: inveje alguém rico, poderoso ou talentoso, como, sei lá, Roberto Carlos, Caetano, Lula, Xuxa, Eike Baptista, Usain Bolt, um médico rico da cidade ou aquele mestre que alcançou o topo da vida acadêmica. Não a mim. Não mereço tanto interesse. E farei o mesmo (se eu não puder ficar totalmente livre deste sentimento capital do qual praticamente ninguém está livre), invejando apenas os grandes; os verdadeiramente grandes. Nós, pobres, invejando-nos uns aos outros – um trabalhador invejando outro trabalhador, um visinho invejando o outro – fortalecemos ainda mais o poder da burguesia que quer a discórdia entre os operários do sistema, incentivando a competição banal, o que mina a solidariedade que poderia pôr à prova sua total e intocada hegemonia. A burguesia precisa do trabalhador sempre mais fraco e desunido.

Daí, ...eu vivo falando de luta de classes... Uma pergunta é: eu me interessaria pelo assunto se fosse rico? Provavelmente não, já que não sou santo. Muito embora a experiência da riqueza seja capaz de gerar sentimentos diversos. Alguns dos grupos de jovens mais desencantados com seu status social viveram em países ricos (refiro-me aos Estados Unidos e França dos anos 60). O maior movimento em prol do trabalhador oprimido partiu de um jovem rico. Seu nome é Engels. Friedrich Engels era filho de industriários alemães e, mandado pelos pais para estudar na Inglaterra, acabou formulando o estudo A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, após se deparar com as péssimas condições de vida do operariado inglês, para mais tarde, em cooperação com Marx, lançar o maior documento da história do mundo capitalista, que é o Manifesto Comunista, de 1848. Juntamente com toda a obra de seu grande amigo Karl Marx, funda-se o marxismo, tão pujante e inspirador. Uma obra voltada para mudar o mundo, em prol dos oprimidos e dos explorados. O marxismo está mais vivo do que nunca. Há núcleos de estudo espalhados por todo o mundo, inclusive o Brasil. As coisas são complexas. Há mais complexidade e coisas acontecendo do que noticia a televisão. A TV e toda a grande mídia são feitas pelos ricos. Não esperemos, nós, pobres, que esses meios estejam verdadeiramente preocupados com distribuição de renda. Eles não atirariam no próprio pé. Tudo o que se vê é o incentivo à competitividade. Como se não bastasse a competitividade própria do mundo natural. ‘Que vença o melhor’ é o seu lema. E eles, os herdeiros do grande capital, estarão, com a proteção do dinheiro, sempre acima dos melhores. E eles “sabem’ disso. A gente precisa sempre tentar compreender o mundo. E tentamos olhar para nossos iguais com mais amor. Sem medo, sem inveja. Olhando para dentro de nós mesmos e reconhecendo nossas limitações sem traumas. Considerando as diferenças individuais e nossos valores pessoais.