NOSSAS AULAS

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

NOSSAS AULAS

Os primeiros dias no seminário foram dedicados à adaptação dos novatos com jogos de futebol, brincadeiras diversas e, como era início de ano, época de calor mesmo lá em cima da serra, banhos diários no rio até que rareassem as crises de saudade e de choro. As obrigações pra com Deus não sofriam descuido. Volta e meia éramos chamados pra capela. Missas diárias pela manhã, orações antes e depois do almoço, adoração ao Santíssimo antes do jantar e oração da noite. E ai de quem brincasse na capela! O cascudo vinha na certa. E pra quem repetisse, a reprimenda e o castigo eram severos.

Assim, as aulas tiveram início apenas nos primeiros dias de fevereiro. Padre Reitor era o professor de Religião, de História e de Latim, Padre Tito dava Geografia e Educação Física e Padre Vendelino ensinava Português e Matemática.

Dessas aulas, alguns momentos me ficaram marcados pra sempre na memória, uns engraçados, outros mais ou menos.

Por saber as orações da missa em latim, eu pensava que essa disciplina seria moleza pra mim. Mas o quê! Apanhei mais que burro xucro. No decorar vocábulos até que não fui dos piores, mas as tais declinações!... Quando o professor, ensinando a primeira declinação, me vinha com aquela lengalenga: “terra, a terra; terrae, da terra,..., in terra, na terra...”, eu ficava louco e me perguntava baixinho: “Quem é que não sabe que é na terra que se enterra!?”. E acabava tirando um baita zero nas provas sobre as tais declinações. E comecei a odiar o Latim. Só depois de muitos zeros é que eu fui entender o espírito da coisa: faltava-me conhecimento mínimo de análise sintática, assunto jamais estudado na pobre escola de roça da Dona Cristina, a qual reconheço hoje ter sido ótima professora.

As aulas de História, porém, eu as achava uma beleza. E o professor era o mesmo — o Padre Reitor. O homem era bom no assunto e tinha didática. Nunca me esqueci, por exemplo, em que ano foi destruída a cidade de Zama, nas Guerras Púnicas, levadas a efeito por Roma contra Cartago, pois o professor contou o seguinte:

— Diz-se que Cipião, o general romano, chegando às portas da cidade pra destruí-la, teria exclamado: “Zama, Ó Zama!”.

Ao contar, o professor escreveu a exclamação no quadro, olhou pra nós e depois apagou-a, deixando apenas as iniciais: ZOZ e concluiu:

— Está aí o ano em que Zama foi destruída: 202 antes de Cristo.

Dá de esquecer? E assim foram muitos os macetes que ele nos ensinou na arte da decoreba.

Certo dia o Padre Tito surpreendeu a turma com uma proposta inusitada na aula de Geografia sobre o tema que ele havia acabado de falar.

— Eu prometo nota dez no boletim do mês pra quem na próxima aula souber dizer quem escreveu as Dez Maravilhas do Mundo Antigo.

Na aula seguinte as tentativas de acerto foram muitas, e por fim o safado explicou:

— Na aula passada eu não falei que as dez maravilhas foram ou são construções enormes? Pois então! Elas foram construídas e não escritas.

— Ah, assim não vale! — protestaram alguns descontentes com a pegadinha.

— Valia sim. Se alguém me tivesse dado a resposta que eu acabei de dar, eu a teria aceitado e lhe daria o dez prometido.

Ele, Padre Tito, era durão na Educação Física. Com ele não tinha moleza. As filas tinham que estar retinhas, cada um em seu lugar conforme a altura, orientando-se pela nuca do vizinho da frente. De vez em quando ele passava revista e se visse uma orelha fora da fila, corria de braço erguido e mão espalmada, ameaçando levar na ponta da unha afiada a tal orelha saliente. Coitados dos orelhudos!

Na marcha, se alguém estivesse com o passo trocado, ele ia lá sorrateiro e passava um calço no sujeito, fazendo-o acertá-lo no tropeção. Ele não podia ver um peito encolhido, ombros caídos ou curvados pra frente. Por isso, o alerta era frequente:

— Peito pra fora, barriga pra dentro!

Ai de quem risse ou fizesse qualquer movimento desnecessário! Era regime militar mesmo. Um dia, porém, distraído, ele trocou a ordem:

— Peito pra dentro, barriga pra fora!

A gargalhada foi geral. Ele próprio não se conteve ao ver que alguns mais atentos obedeceram prontamente por safadeza, forçando a barriga e encolhendo os ombros.

Bastou, porém, um silvo forte pra que a ordem fosse restabelecida imediatamente.