Ecos da estação

Olhando as primeiras folhas secas caírem das árvores, sentiu que conhecia aquele vento de outros outonos. Vento que assoviava por cima da cerca de madeira desigual, sobra das construções ao redor, a agitar as peças de roupas estendidas no varal de arame. Em vez de máquina de lavar, havia tinas e baldes sobre uma espécie de mesa rústica chamada jirau pela lavadeira. Depois de secas as roupas eram passadas, algumas com goma, dobradas e enroladas em trouxas. O ferro de passar era moderno, a vapor, trazido da América. A menina auxiliava a passar as roupas mais fáceis, como toalhas e panos de prato. Depois, de posse da trouxa menor, acompanhava a tia às casas dos patrões.
 
Estudiosa, seguia a pé para a escola com uniforme impecável composto de saia pregueada azul-marinho e blusa branca. O sapato Vulcabrás, do ano anterior, apertava os pés por cima das meias alvinhas. Na hora do recreio, sem dinheiro para a merenda, permanecia na classe desenhando no caderno chapéus rebuscados e vestidos de alta costura. Se não se formasse enfermeira, seria costureira. Professora, já tinha a irmã que estudava o Normal.
 
Ao voltar para casa, olhava ao redor para ver se alguém a observava, retirando de baixo do vaso de begônia a chave da porta. Guardar uma chave grande sob o tapete era muito arriscado. Já os vasos, como havia tantos, dificilmente um ladrão se daria o trabalho de procurar. As notícias do mundo exterior eram frouxamente acompanhadas pelo rádio, uma vez que televisão era um luxo que não cabia naquela casa. Os jornais serviam para enrolar o feijão e o charque na mercearia, onde tinham uma página de conta a ser paga toda semana. Certamente havia atrocidades, mas era um tempo em que os adultos protegiam ouvidos e olhos de suas crianças.  
 
A cozinha e o banheiro, de alvenaria, destoavam do restante da casa de madeira. A menina fazia os pequenos serviços domésticos, como varrer, aquecer comida. Tudo correndo para sobrar mais tempo para a leitura, tanto a obrigatória para a escola, como as outras. Havia poucos livros disponíveis, de modo que aquela menina que não tinha livros aprendeu a ter nas mãos, a cada releitura, um livro novo.

Como se chamado de volta ao passado, o vento lá fora soprou mais forte e mudou de direção. Virou a folhinha para o penúltimo dia de abril.