Da comida que sobrou de ontem

DA COMIDA QUE SOBROU DE ONTEM

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 01.05.13)

Existem lares em que o prato da véspera é servido no almoço seguinte. Em outras ocasiões, as sobras são rearranjadas em novas soluções culinárias. Num caso como noutro, é comum os resultados serem ainda mais saborosos do que o preparo original. Há teorias que advogam ser tal ganho de qualidade devido à ação de uma bactéria que age sobre os alimentos processados, à qual se dá o nome de "bactéria-das-24-horas".

Não ousaremos contar aqui com essa bactéria, mas não parece prudente arriscar este Dia do Trabalho com temas originais.

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Pelo menos ainda esta semana, continua em cartaz o filme "O Dia que Durou 21 Anos". É exagero deslavado dizer que o filme está em cartaz: ele passa uma única vez por dia, em uma única sala, de um único cinema, de uma única cidade do Estado (no caso, na Capital), conforme ocorre desde a sua estreia, simultânea à estreia nacional. Informa sinopse que circula na imprensa catarinense com a programação dos cinemas tratar-se de "documentário que mostra a influência dos Estados Unidos no Golpe de Estado no Brasil em 1964".

É engraçado - ou triste - que, até pouco tempo, muita gente boa negava por Deus que tivessem havido um golpe e uma ditadura no Brasil, menos ainda prisões, torturas e assassinatos de brasileiros desarmados, perseguidos por cometerem o assustador "delito de opinião".

Depois - tantas foram as provas -, esse pessoal passou a admitir a necessidade premente de uma medida saneadora (o golpe) para salvar o Brasil das garras da ditadura e da intolerância de esquerda, que se armava até os dentes para derrubar nossas tradições cristãs, e recolocar o País nos eixos (a ditadura), mas jamais explicou por que esses "traidores" armados pelo ouro vermelho de Moscou não deram um único tiro após o golpe nem por que não se aguardou o resultado das eleições que ocorreriam em 1965, das quais possivelmente sairia vencedor Juscelino Kubitschek, um presidente democrata que assumiria seu segundo mandado, porém sem reeleição.

É triste - ou engraçado - constatar que esses adoradores de 1964 negam-se ao exercício democrático mais elementar de, por exemplo, assistir ao documentário acima citado pelo menos para contestar que o dólar verde de Washington teve algum papel nas trevas arbitrariamente impostas ao País por 21 anos.

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Em respeito ao leitor distante dos acontecimentos miúdos do nosso dia a dia, talvez caiba aqui reproduzir duas ou três frases do artigo "Teatro Álvaro de Carvalho: patrimônio de SC", que o presidente da Fundação Catarinense de Cultura, Joceli de Souza, publicou sexta-feira passada neste DC:

"O TAC (…) tem estado, nos últimos dias, no foco de discussões. O motivo é a possível transferência de sua gestão ao Sesc, entidade com forte agenda cultural, que em função disso externou interesse, por meio da Fecormércio, a quem é vinculado, em firmar parceria com o Estado para utilizar aquelas instalações. (…) É precipitado levantar questões relacionadas a datas e aos termos de um possível convênio. As discussões serão feitas de forma democrática, com a participação dos agentes culturais interessados na manutenção desse bem público, como assegurou o secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, José Roberto Martins, na última reunião do Conselho Estadual de Cultura. (…) O Estado não privará a classe artística da discussão antes de finalizar qualquer tratativa junto à iniciativa privada, até porque o TAC é um patrimônio de todos os catarinenses."

É a palavra oficial.

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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.

"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."

Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a e-mail sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.