Histórias de ônibus: Brincadeira sem graça

Essa é uma obra de ficção.

Qualquer semelhança com fato real

é mera coincidência.

Dia desses vinha eu dormindo dentro do ônibus, lugar ruim de dormir, mas decerto todo mundo já tirou uma pestana recostado no banco desconfortável da viagem cotidiana rumo o trabalho ou de volta pra casa, lá estava eu, cabeça batendo no vidro e sonhando sabe-se lá com o quê. Despertei e fiquei com os olhos semicerrados tentando não ser incomodado com nada que pudesse me aborrecer.

Ouvia o parlamento dentro do ônibus e não me importava com trocador, nem motorista, nem sequer me lembrava de tentar reter alguma coisa pra fartar minha coleção de histórias de ônibus. Mas, invariavelmente o acaso veio me brindar com as conversas animadas dos meus companheiros de viagens, os clientes do patrão.

Quando se encontra um colega de trabalho dentro das máquinas de conduzir o mundo trabalhador dentro das cidades, certamente se começa a brincadeira de tirar sarro com a cara um do outro e as conversas vão se alinhando conforme o desenrolar da intimidade que se tem com o colega. Nesse dia vinham dois amigos de trabalho que se conheciam desde a de infância numa fanfarronice sem tamanho, um voltando do trabalho e outro de um passeio com os filhos, duas crianças que estavam muito bem comportadas apertadas no banco, sentadas no canto do pai.

O pai e o colega do pai estavam sorridentes, faziam graça do cruzeiro e do atlético, tiravam gozação com os problemas da empresa, enfim tudo o que se ouvia eram risadas espalhafatosas e motivos de zombarias, os colegas eram mesmos íntimos a ponto de frequentarem um a casa do outro mesmo após ambos terem constituído família. Porém, a gente não consegue prever o que pode sair da boca de uma criança, a inocência pode virar-se contra os adultos e fazer-lhes tirar do rosto o mais gostoso dos risos. O rapazinho apertado no canto do pai, olha para o amigo em pé fazendo estardalhaços com tudo e o reconhece, o pior é que se lembra de uma visita e numa dessas visitas havia uma promessa:

- O pai, esse não é aquele moço que foi lá e m casa e prometeu levar um presente pra gente?

- Presente? Mas que presente, meu filho?

- É sim, pai, ele prometeu levar um pneu pra gente brincar...

O silêncio foi mortal, o motor do ônibus nunca foi tão silencioso para não encobrir a falta de tato com as crianças, o cidadão em pé mirou-se no vidro da janela, com os olhos colados no nada, miragem no infinito externo do ônibus, completa falta do quê dizer ante o reconhecimento da criança e da inocência do ditame popular. Brincadeira sem graça...

Por Paulo Siuves

Paulo Siuves
Enviado por Paulo Siuves em 02/05/2013
Código do texto: T4271183
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