Trabalho

Trabalha em algo para que o diabo te encontre sempre ocupado.
São Jerônimo.


Fui ao dentista num shopping próximo ao meu trabalho e, após o tratamento de canal (delícia!!), resolvi aproveitar para comprar meias finas, frágil solução feminina para o frio que vem chegando.
Observo, surpresa, que as lojas estão todas lotadas: gente e criança por todo lado. Não são nem três da tarde! Já estamos em período de férias escolares? Por que o trânsito não melhorou ainda??
Mas, não! Recém entramos em maio. Não é mês de férias. É mês de Maria, das mães, das noivas e do trabalho. Ou, do dia do trabalho - que só é bom porque é feriado. Já publiquei nesta mesma coluna, no dia do trabalho do ano passado: trabalho é castigo. Está na Bíblia. E hoje, o castigo é grande! Ainda tenho muito o que ralar!
Sou arrancada dessas divagações por uma penca de menino que passa por mim, em algazarra. "Esta molecada deveria estar na escola!", resmungo.
Entro na loja igualmente cheia, mas tenho a esperança de que haja vários caixas e eu consiga fazer minha comprinha. Escolho as meias e entro numa fila, monstruosa e inerte. Lá na frente, só duas caixas sonolentas atendendo esse povaréu.
Novamente, praguejo sozinha: este povo não trabalha, não?
Então, me vêm à mente imagens das manifestações ocorridas neste feriado, por causa do desemprego na Europa.
Lembro ainda que, no DF, segundo o DIEESE, em março, após três meses de altas sucessivas, o nível de desemprego atingiu 13,3%. Além dos motivos sazonais, como a desaceleração de programas do governo e a chuva que desaquece a construção civil, há a fraca participação de indústria e agricultura por aqui. Teve ainda a PEC das domésticas que, na ilusão de equiparar seus direitos aos dos demais trabalhadores, vem lançando muitas delas à informalidade.
Começo a observar os rostos à minha volta, reconheço muitos olhares perdidos, parados. Meu mau humor cede lugar a uma triste compreensão da realidade. Por um momento, revejo meus conceitos... Não. Não é castigo. É a forma mais digna de felicidade.
Deixo as meias sobre o balcão e retomo o rumo do meu trabalho, levando comigo uma prece para que possam fazer o mesmo todos aqueles que ali ficaram.


Crônica publicada hoje no Jornal Alô Brasília.