Por que não abater promotores de justiça no voo?

POR QUE NÃO ABATER PROMOTORES DE JUSTIÇA NO VOO?

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 08.05.13)

- Esse nosso governinho de eme é uma piada! - mal entrou, não cumprimentou a amiga e Ele já chega disparando.

- Uma piada de péssimo gosto, se queres que te diga - sem mesmo saber de que nível de governo se tratava, isto pouco importava, Ela, ainda de bom humor, já vai complementando a frase dele.

- O federal - Ele, furibundo, esclarece.

- Pior ainda - Ela, sorridente, devolve de bate-pronto.

- O Itamarati, por exemplo. Ele não é o nosso Ministério das Relações Exteriores? - e, sem esperar resposta, Ele prossegue: - Não devia cuidar dos interesses brasileiros no exterior? E o que ele faz? Vem aqui tratar de interesses alemães no interior! E digo-te mais: muito pior! Pioríssimo! Vem tratar de interesses alemães dentro do Brasil exatamente contra brasileiros, ainda que alemães naturalizados, que para cá migraram em busca de vida, de decência e de futuro!

- Sinto cheiro de porcaria no ar - Ela considera, já pensativa. - A que caso específico te referes? São tantos.

- A um incerto Escritório Central para a Investigação dos Crimes do Nazismo, criado pelo governo alemão em 1958, com sede na cidade de Ludwigsburg. Sabes o que eles querem? - espumando pelos cantos da boca, possesso, colérico, Ele mal se contém. - Tem um promotorzinho lá, de nome tão raso quanto sua inteligência, chamado Kurt Schrimm, que suspeita que 50 guardas - guardas, nota bem, minha cara amiga! - que atuavam nos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, onde morreram 1 milhão de pessoas entre 1942 e 1945, suspeita, tal procurador, que esses 50 guardinhas teriam fugido para o Brasil após 1944. Ele quer achá-los aqui para levá-los de volta e serem processados na Alemanha! Terá isso algum cabimento?

- Uma espécie de Comissão Nacional da Verdade lá deles! - Ela salta na poltrona com a associação que faz. - Que gente mais vingativa e cheia de ódio no coração! Se mataram alguém ou não, que nos interessa isso? Foi durante a guerra, não foi? E guerra é guerra, qualquer criancinha sabe disso. Terá havido excesso de ambos os lados. E se teve gente que morreu, seja judeu, negro ou homossexual, ou tudo isso junto, é porque algo há de ter feito. Ou estava no lugar errado. Quem garante que não andaram jogando pedra nos soldados que passavam?

- Terroristas que jogam pedra por falta de arma mais potente. Imagina só - Ele procura pensar mais claramente. - Serão 70 anos no ano que vem! Se um guarda desses tivesse 21 anos na época, hoje, se vivo estiver, estará com 90. Tem lógica prender alguém 70 anos depois de um fato, qualquer que seja? E mais ainda: um inofensivo velhinho de 90 anos?

- A Alemanha está parecendo mais um paisinho da América Latina que conhecemos bem e gasta fortunas atrás de filigranas do passado ao invés de olhar para a frente; que destrói antes de construir - suas mãos tremem, Ela balbucia. - Quanto custará deslocar promotores de justiça da Alemanha para analisar milhares de fichas de alemães que vieram para o Brasil querendo fechar uma porta atrás de si, deixar o passado para trás, a fim de encontrar meros 50 guardas de presídio, se tanto?

- Com a autorização do Itamarati e do Ministério das Relações Exteriores deles. Burocratas desocupados mamando nas tetas dos seus governos - Ele ri amargamente. - Podíamos fazer com os promotores o que a quebra de hierarquia em 1961 impediu que a Aeronáutica fizesse com João Goulart: abater o avião em que eles viessem para cá. Sai mais barato para todo mundo...

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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.

"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."

Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a e-mail sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.