Filhos da Perfeição.

Quer ter um pouco dessa esperança que as pessoas postam por aí, cheia de florzinhas e risinhos alvos. Não ter pé-de-galinha brotando no espelho todo dia logo cedo, e nem ter que pensar no fim do mês cheio de contas pra pagar, filas a furar, e no fim do ano ver novamente o Papai Noel na televisão enchendo o saco, Papai Noel gordo e murcho, barba barata da 25 de março e cara do Fausto Silva com dor de barriga num domingo quente.

Quer não ter que acordar e olhar pra cara torta desses homens e mulheres perfeitas que zanzam pelas calçadas coçando a bunda às escondidas, olhando o reflexo de suas tragicomédias ambulantes na lataria do camaro amarelo. E pensar na aposentadoria sem sequer saber se vai conseguir viver até lá. Pagar um monte de tributo ao Estado, que não serve nem pra te dar um leito digno quando moribundo e fedendo num corredor de hospital público, beliscado e esbofeteado por auxiliares de limpeza que fazem o papel de enfermeiras. Estado este mais parecido com um hospital psiquiátrico, que suga cada gota de seu sangue, que chama contribuição, te dá um carteirinha, prega um código de barra na sua testa e te chama cidadão.

Quer nunca mais ouvir um fuxico sequer, mesmo que um sussurro sobre a vida do outro, o que faz, o que fez, o que deixou de fazer, se está certo, errado, fez cagada, deu o cu, comeu a mulher do colega, bateu o carro, é chato, é chato, perdeu o emprego, ta fodido, fala muito, ri demais, mesmo que uma mísera reclamação ou manifestação de alegria-falsa de quem comemora ‘o dia do tamanduá bandeira’, mastiga croquete e peida fedido.

Quer ter cães de estimação, plantas aromáticas, assistir novelas, freqüentar aulas de ioga, salão pra beleza da mulher brasileira, seu trejeitinho brasileiro, o brasileiro nato, corrupto e covarde, carnavalesco, futebolesco, burlesco, bronzeado, cidadão continental, que fuma o prazer e toma Brahma, banho de cachoeira, que gosta de bunda, de funk, da rap, de pagode e é eclético em seu gosto musical, que lê três livros por ano, do Paulo Coelho, e posta no facebook que é um sábio místico transcendental, que dorme mal, come mal, fode mal, vive mal, mas que no fim está tudo bem, que se acomoda fácil, que desiste facilmente, mas que está na berlinda, tem neosaldina e aspirina, sal de fruta e epocler na estante, tem a esquina com os amigos, amigos que falam dos amigos pelas costas, mas ninguém está nem aí, ninguém nunca esteve aí para a vida dos outros, ninguém se predispõe a ajudar, raros os santos de cada dia, gostam mesmo é de falar mal, perdem horas quando o negócio é meter o pau. E ninguém é perfeito, sendo perfeitamente impossível esta conjetura, mas se acham perfeitos, e são perfeitos dentro de suas cabeças, porque são os filhos da perfeição, os pérfidos filhos da perfeição do pai eterno, imagem e semelhança do “Divino”.

Vai comprar um carro novo no fim do ano pra poder mostrar pros outros que pode comprar um carro novo, mesmo sem precisar de um carro novo, mesmo até sem precisar de carros, mas com o novo programa de financiamentos da BV, pode conseguir aquele com ar-condicionado, trava elétrica e banco de couro pra poder esfregar a bunda com mais prazer e mostrar para os amigos e parentes que tem um carro novo, modelo novo... ‘Olha aqui!‘.

Quer ser feliz o tempo todo, mas o médico disse que só era pra ingerir dois comprimidos ao dia.

Quer ser bonito, o bonitão, o artista de TV, o queridinho dos amigos e admirado por todos. Quer seu um líder de torcida, um anfitrião generoso, um bom pai de família.

Quer morrer sem dívidas, pagar até o último centavo ao coveiro e ainda deixar o troco, e ter eternamente na lembrança de seus descendentes uma reputação ilibada, mesmo que tenha sido na realidade um canalha, covarde, traíra e materialista ao extremo, enquanto encarnado.

Que quando morrer irá diretinho para o céu, ficar do lado de Deus e dos entes queridos, esperando a vinda dos que ainda vivem. E será feliz eternamente porque fez só o bem em vida. É um homem puro, um ser supremo, e todos os outros chatos e idiotas, que vão pro inferno, amém!

SAvok OnAitsirk, 9.4.13.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 09/05/2013
Código do texto: T4281728
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