"Emoções"- *Insatisfação*

Série "Emoções"

Insatisfação

Hoje estou vazia. De tudo, de nada, apenas vazia. Procuro assunto para me libertar deste silêncio e nada acho. Procuro, dentro de mim, ao menos um tema para escrever dos muitos que me vêm à cabeça, mas selecionar como, se não tenho estímulo? Ridículo, quando um escritor titubeia nos propósitos, escorrega nas palavras, tropeça nas emoções e, como fera desarvorada, desembesta-se pela mata adentro, para ir a lugar nenhum.

Fica-se com uma sensação de inércia, de impotência, de tristeza, melancolia ou qualquer coisa desse gênero. É como um estado de alucinação, de loucura, de letargia, que me deixa sem ação, parada no fim de linha das minhas criações, das minhas escritas, dos meus devaneios. Sonhos apagados, desejos esquecidos, reações passivas dignas de um ser oco, com pensamentos voando feito fumaça de meus cigarros, que eu no fumar, no tragar das criações deixo se dissiparem e sumirem no espaço das minhas interrogações, das palavras ainda não escritas, nem pensadas sequer.

E eu fico pensando que preciso tirar um tempo maior para ficar comigo mesma. Pra me visitar, sentir mais de perto meu eu, minha vida, meus sonhos, minhas emoções que muitas delas desconheço, nem desconfio quais sejam. Penso e escrevo tanto sobre os dos outros, dedico tanta atenção, tanta importância, por que não fazê-lo com os meus?

Sentir, sentindo. É hora de acordar, de me querer mais, de me amar desesperadamente, me namorar e me desejar. Se vontade e necessidade, fazem de mim objetos de papel e lápis, de transbordar e bordar lindas frases de amor, criando situações em que o coração cobra alto, cobra forte, bate feliz nas delícias do amar, do embevecimento que me faz transportar aos céus e sonhar... E vem aquela vontade de me agradar, de me dizer palavras doces, carinhosas, meigas, amorosas para me afagar, me consolar neste mundo de ilusão que se vive e, salvaguardando-me dos perigos e armadilhas, que sempre encontro pelo meu caminho.

Por isso e aquilo, o motivo da minha insatisfação, dos hiatos que a vida sempre oferece, dos silêncios de palavras mudas, de esperanças e ansiedades vãs, das distâncias e de anseios já nem tão almejados. Peco, neste silêncio, a falta das rimas, que sempre me seduzem aos escrever meus versos de amor, meus sonhos de vida, num mar de esperanças e realizações. Sem os arroubos de sensações sentimentais, calo-me, porque nada sou, estou nua e perdida nesta imensidão de mundo. Como um poeta consegue sobreviver sem os ecos do amor? Sem sentir, na própria pele, os devaneios, as ilusões, os sonhares palpitantes do seu coração, para poder depois lançá-los no papel, para ficarem como mata-borrão, sugando tantos desejos, tantas sensações, tantas ilusões de amor.

Estão assim definidos os motivos de minhas insatisfações. Simplesmente, porque há muito tempo não tinha me visitado, não tinha me analisado, me encontrado,mas estando de bem comigo mesma, tudo vira claridade, esplendor e felicidade. A vontade de viver, de escrever, de sentir amor, de ser gente, de me transformar em palavras, me faz ter paz, ter alegria.

Portanto, nossas insatisfações vêm das nossas ausências, dos nossos temores, nossas incertezas. Que tal nos visitarmos sempre, levando alento, estímulo, carinho para nos sentirmos úteis a nós próprias, esperançando alegria, felicidade, e eterno amor?...

Maria Myriam Freire Peres.

Rio de Janeiro, 04 de fevereiro de 2005

Myriam Peres
Enviado por Myriam Peres em 15/08/2005
Reeditado em 15/08/2005
Código do texto: T42841