Histórias da minha terra - A hecatombe - Parte I
O capitão


Aquele 12 de janeiro do longíquo ano de 1917, certamente jamais seria esquecido pelo capitão Salles Vila Nova.   Mas, na verdade, o que jamais ele viria a esquecer seriam os trágicos acontecimentos que sucederam aos seus atos após essa data...
Já passava das 22h daquela sexta-feira que parecia ser idêntica a tantas outras e o Sr. Salles, após mais uma jornada de trabalho, dirigia-se tranquilamente para o aconchego do seu lar.  O trajeto semi-escuro só clareava um pouco nas esquinas e becos através dos lampiões a querosene ali pendurados. O frio gostoso, mas cruel em determinada época do ano e ao adentrar a madrugada, característica ímpar, da terra de Simoa Gomes, certamente não encorajava estar nas ruas aquela hora, há não sem em caso de real necessidade ou pela ociosidade dos notívagos.  E, de certo, o Sr Salles seguia sozinho, sem encontrar um "pé de pessoa" em seu trajeto em direção a sua residência, atual Rua Cabo Cobrinha, por trás da Caixa Econômica Federal. Este Cabo Cobrinha desempenhará um bravo e importante papel nos episódios que contaremos em outra oportunidade.
Pois bem, nem imaginava, o pobre coitado, o que lhe esperava  caminho abaixo, logo que cruzasse a atual Rua Melo Peixoto.  Tão logo atingiu o caminho derradeiro de acesso a sua casa, foi surpreendido por seis indivíduos  mascarados, decerto à espreita por algumas horas e conhecedores do percurso que o mesmo fazia rotineiramente. A surra foi tremenda, covarde e humilhante.  Foi utilizado a arma mais desonrosa e desprezível da época: o cipó de boi.  Na terra, ninguém por testemunha, ou se teve, não se atreveu a intervir nem a testemunhar depois. O certo é que a vítima, agonizante, as costas em carne viva, conseguiu, com muito esforço e sofrimento, adentrar a sua casa, aonde recebeu os primeiros socorros.
Salles Vila Nova chegou a Vila de Garanhuns em 1874 com dois anos de idade, cinco anos antes dela tornar-se cidade.  Foi capitão da Guarda Nacional e depois entrou na política, além de exercer vários cargos publicos. Era um falastrão. Não media as palavras, tornando-se incoveniente em várias ocasiões. O que tinha para falar ou denunciar fazia independente do local ou da pessoa. Usava com frequencia a imprensa da capital para publicação das suas denúncias e assinava tais artigos com o pseudônimo de "o inspetor". Mas antes que possam julgá-lo com toda sorte de impropérios e injustiças, deixe-me falar de um outro lado diametralmente oposto. Era um homem do povo e voltado para o povo. Foi o fundador da sociedade mortuária que tanto beneficiou os pobres que, até então, quando mortos,  eram conduzidos ao cemitério local em rede ou até mesmo arrastados pelas ruas por populares, ameaçados pela polícia para fazê-lo. 
As noites de natal de sua época ganharam um significado de benevolência e caridade, quando percorria a cidade, fazendas e sítios em busca de donativos para distribuir às crianças pobres, o que fazia com imenso prazer, além das árvores que ornamentava, tornando aquele momento em pura magia, verdadeiro recanto de fraternidade. 
Os retirantes da seca encontravam refúgio, conforto e um pouco de dignidade no abrigo criado por ele para esse fim. 
Assim era o homem que protagonizou um dos episódios mais escuros e sombrios da nossa história e que o tornou uma pessoa triste e reclusa até o fim dos seus dias.


Próximo episódio:  O coronel

Publicações a respeito:

SANTOS, Mário Márcio de Almeida, Anatomia de uma tragédia: a hecatombe de Garanhuns-Recife, CEPE 1992.


CAVALCANTI, Alfredo Leite, História de Garanhuns, 2ª edição, biblioteca pernambucana de história municipal,18, Centro de Estudos de História Municipal, 1997, Recife-PE;

Jornais
A noite, Diário do Povo, Diário de Pernambuco
dentre outros.



Maurício Pais
Enviado por Maurício Pais em 10/05/2013
Código do texto: T4284507
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