Banho de Sol

Diante de uma senhora de 88 anos. Na cadeira de rodas, tomando sol no pátio do estacionamento. Que ainda se lembrava do nome do médico com que iria se consultar à tarde. Que aceitou as uvas que você lhe ofereceu. E comeu.

A idade em que a pele apodrece. E o raciocínio muitas vezes também. Mas pra quê falar disso agora? Não tem outro assunto? E você se indagaria se vale mesmo à pena chegar à essa idade. Mas como seria ter de desaparecer antes? Quem teria coragem de admitir isso? É coisa em que não se pensa.

Mais razoável então deixar acontecer. Ir antes. Ou envelhecer. Não há alternativa. Tem de acontecer. Mas, alguém lhe diria, não vale à pena lembrar. E você responderia: será?

O negócio é ter histórias pra contar. Garrafas pra vender. E poder vendê-las. O que já é uma virtude. Em qualquer etapa da vida.

Por que recusamos essa discussão? É o tipo do texto que não atrai o leitor. E, no entanto, faz parte naturalmente da vida de cada um. E se pensarmos com carinho, talvez seja matéria cuja digressão nos traga algo de útil. Que pode se consubstanciar num enriquecimento interior.

Primeiro que, chegarmos até àquela idade avançada lúcidos, com a sensação de que as nossas realizações ficaram muito aquém do que poderíamos ter conseguido, poderá fazer com que achemos que houve um desperdício. O que não terá sido nada demais. Afinal tudo, na verdade, tem o mesmo fim. Só que vivendo ou não intensamente, o nosso tempo de existência está estipulado. Então, quando vemos uma senhora como aquela sentada na cadeira de rodas tomando sol no pátio do estacionamento, nos lembramos de repente de que o fim existe.

É um pouco bom isso para que a gente se lembre de que não somos invencíveis. Ou imbatíveis. Ou de que não seremos também descartáveis. Como os outros. Claro que sabemos de tudo isso. Só que nem sempre nos lembramos. Muito porque não nos permitimos ter esse tipo de lembrança. Sempre colocando a culpa na vida agitada. Em ter que matar um leão por dia. Em ter que estabelecer as conquistas que nos elegeram que eram as melhores. Em ter de atingir padrões já pré-estabelecidos.

E um pouco bom também para que – se quisermos – façamos uma revisão a respeito de nossas escolhas. Para que olhemos para o lado e vejamos exemplos que, embora afastados de procedimento às vezes não tão convencionais, resultaram em experiências de vida invejáveis. Não para que as imitemos. Mas para que saibamos que elas existem. E que podem estar ao alcance de qualquer um. Até de nós. Que muitas vezes não estamos errados quanto à escolha de certo caminho. Talvez a vitória (?) seja só uma questão de não termos medo de trilhá-lo.

Será que já nos demos conta do número de coisas em que acreditamos, embora saibamos que não são verdadeiras? Nada demais nisso. Não é pecado. Mas será preciso vivermos com essa espécie de antagonismo até o fim? Até quando poderemos suportar uma opção pessoal por aquilo que não é?

Ter e ser, por exemplo. Aprendemos que quem tem é alguém. E quem mais tiver, mais alguém será. Talvez porque todos sejamos alguém(s). Mas nem todos temos tanto quanto outros. Então ficamos aquém.

No entanto, é preciso saber se tudo o que uns poucos têm será capaz de satisfazê-los. Ou se essa satisfação só chegará com alguma coisa mais que eles possam ter ou conquistar. Talvez essa satisfação nunca chegue, pois sempre haverá algo a ser conquistado.

Outros podem achar que a satisfação é alcançada exatamente com uma atitude contrária. E, ao invés de se dedicarem a cada vez ter mais, começam a distribuir o que acumularam. Procurando livrar-se do que têm antes de desaparecerem. O que não significa entregar o que têm a aproveitadores, muitas vezes travestidos de pastores.

Mas por que fazem isso? Por acreditarem que tudo o que têm vai perdendo o sentido a partir de um ponto final que se aproxima ou que acontece quando menos esperamos. Ou por acreditarem que o que têm pode significar a satisfação de muitos outros. E se sentem assim mais felizes. Não pelo que têm, mas pelo que são. Não só em relação aos outros, como a eles mesmos.

Alguns nessa condição tornaram-se até santos. Como São Francisco de Assis que, filho de um próspero comerciante, certo dia resolveu jogar pela janela parte do que seu pai tinha. Foi recriminado. Saiu de casa. Reuniu muitos seguidores. E todos ficamos sabendo depois da sua história.

Exemplo a ser seguido? Nada disso. Até porque dependerá de cada um. Como dependerá de cada um de nós a escolha do melhor caminho para a nossa satisfação. O que importa é a consciência de que o tempo é inexorável. E que podemos até ter o direito de nada escolher. E ficarmos esperando pelo que acontecer.

Marina di Camerota, Itália, 12/05/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 13/05/2013
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