Cada louco com sua mania

Cada louco com sua mania, apesar de todos eles afirmarem não serem loucos, pelo contrário, bem lúcidos, perfeitamente normais.

Não estou aqui querendo me eximir ou me excluir do que acima afirmo. Quando mais se busca uma definição para o “absurdo”, mais nos afastamos do seu reconhecimento. Seria o absurdo, “um abismo sem fim, colocado diante do ser humano”, como disse Camus? Não sei, mas reconheço que durante toda nossa vida nos deparamos com situações absurdas que nos colocam diante do abismo.

Recordava-me de um fato relatado por um grande amigo que trabalhou em uma multinacional, pioneira na implantação de computadores em nosso país. Ali eram fabricados componentes sensíveis que requeriam cuidados e concentração de seus funcionários. Era um ambiente de total silêncio. Contava ele que naquele dia tudo parecia correr normalmente, quando de repente as atenções se voltaram para um técnico, que até então sempre fora bem equilibrado, caráter sério e conservador em extremo, um bom sujeito. Sem que ninguém soubesse a razão, começou ferozmente a desferir marteladas sobre as peças e carcaça do monitor de um futuro computador que estava em sua bancada para ser montado. E em altos brados gritava: “Não estou maluco. Eu não sou maluco não!”.

Ele foi agarrado pelos braços e puxado pelos seguranças enquanto aguardavam o enfermeiro de permanente plantão para eventuais acidentes, que prontamente o envolveu em uma camisa de força. Teria ele se tornado simplesmente um homem revoltado diante do absurdo por ter descoberto a maneira frágil e perecível de sua vida, diante da tecnologia que ainda não conseguia dominar? Ou teria teorizado a degradação do ser humano diante do desconhecido mundo informático que ensaiava seus primeiro passos? Ninguém ousou questionar, a eles só restava voltar ao seu trabalho e procurar esquecer esse pequenino contratempo, enquanto o pobre homem era levado.

Vinha eu mergulhado em tais pensamentos, a noite já ia bem adiantada, no céu um belo luar despejando seus raios prateados sobre tudo que pudesse alcançar. Pensei cá comigo mesmo, porque não aproveitar a noite para uma caminhada pela orla de Copacabana.

Lá estava o Poeta em forma de estátua, em seu habitat, sentado em seu banco diante do mar. Sem a menor cerimônia, sentei-me ao seu lado, ainda tentando processar meus pensamentos, quando ouvi com toda nitidez: - Se achegue para um pedacinho de prosa! – Olhei ao redor para tentar encontrar mais alguém próximo, sem êxito. Ninguém! Ele, sem dúvida, parecia estar ali para escutar todo mundo, mas conversar, convenhamos, seria muita pretensão para uma estátua, ainda que célebre.

Ele, mostrando-se mineiramente à vontade continuou:

- “Quando eu nasci um anjo torto, desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”.

Meio espantado pelo fato inusitado, ainda tive tempo para pensar que era coisa de minha imaginação, pois sempre gostei de seus poemas e conheço bastante sua obra.

Mas ele não se perturbou com meus questionamentos, continuou em sua explanação.

- Eu já estava com medo de não ter mais nada para dizer. Medo de que já havia dito tudo. Mas me convenci que isso não irá acontecer, jamais ficarei mudo diante de tanta recepção. Todo dia aparece alguém que senta ao meu lado, alguns nada dizem outros até proclamam seus poemas, que sou obrigado a ouvir calado, sem jeito para qualquer avaliação literária dos pretensos poetas. Mesmo assim não tenho do que reclamar, principalmente nos dias azuis de verão, sentindo o vento no rosto. Meu coração mergulha no tempo, mesmo nos meus 150 Kg de bronze posso afirmar que meu coração continua pulsando, principalmente quando sou rodeado por belas mulheres que sabem economizar em suas vestes de praia. Elas giram em volta de mim, às vezes até sussurram coisas em meu ouvido que me deixam corados com tanta ousadia, pois afinal sou de bronze, mas meu coração não é de ferro. Algumas me dão um selinho com seus lábios ardentes e logo se vão sem me darem oportunidade de retribuí-las. No fundo são eternas crianças que não sabem amadurecer.

À noite, no escuro, sozinho, só fica o desejo de me libertar e viver as grandes paixões. Infelizmente nada posso fazer sou constantemente vigiado por aquelas câmeras, instaladas bem ali, apontadas para nós. Dizem que são úteis contra os vândalos que cismam em me pichar e roubar meus óculos, mas na verdade, só servem para tirar toda minha privacidade. E o tempo me rói os dias. “Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas”. Na verdade, hoje sou totalmente de bronze e anseio por comunicação e não consigo controlar a vontade de amar, principalmente nestas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes, doce herança de Itabira. Hoje já não tenho que me preocupar se no meio do caminho tinha uma pedra, tenho que admitir que hoje no meio do cominho e diante de minhas retinas tenho belas sereias de pernas brancas, pretas e até amarelas. Meu coração tem ousadia de perguntar para que tanta perna, porém meus olhos, bem mais contidos, não perguntam nada.

Aqui todos têm pressa, um homem não vai devagar, nem um cachorro vai devagar, todos correm. Eu não devia te dizer nada de mim, mas essa lua me faz sentir livre, sem correntes e por que não partilhar com quem se mostrou tão amigo?

Sua voz foi baixando gradativamente, dificultando a compreensão, mas ainda percebi algumas palavras: - “Mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução”.

E o seu falar tornou-se quase um murmúrio: - “Quando eu era criança, lá em Barbacena......”. Aproximei meu ouvido o mais próximo de sua boca, tentando entender esse desvario. Pelo que me consta Drummond nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902, não em Barbacena. Estaria ele perdendo a razão?

Levantei-me indignado, aborrecido por perder tempo com uma estátua e segui meu caminhar. Cabeça baixa, prossegui murmurando para mim mesmo: Não estou maluco. Eu não sou maluco não!...

Laerte Creder Lopes
Enviado por Laerte Creder Lopes em 15/05/2013
Reeditado em 21/05/2013
Código do texto: T4291595
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