O Cavalo

Entrei no quarto e encontrei um cavalo de pelúcia. Não seria urso de pelúcia daqueles de orelhas redondas com barriga rasgada, remendada arrastado pelo chão por mão de menina de pijama? Era um cavalo. Já disse! Ou seria um pônei? Sua barriga não estava rasgada. Estava aberta por um corte de precisão cirúrgica. Não havia pontos para fechar o ventre do equídeo macio. Um zíper isolava o interior escuro da claridade externa. Lá dentro um mundo. Aqui fora outro.

É do mundo de barriga de cavalo de pelúcia marrom quase preto que vou falar.

Essa barriga ocupa boa parte do bicho sem vida e cheio de alegria e simpatia. Pra falar a verdade, é um dos poucos cavalos simpáticos que conheço. Já fui apresentado ha mais de três décadas ao Pepe Legal e ao Pé de Pano. Ambos muito divertidos e com sotaque estrangeiro. O cavalo da minha história não tem nome (ou tem nome de imaginação de menino e eu não sei). Vou chama-lo de Cavalo Preto do Caio (ou Caprecai). E vamos logo à história do Caprecai.

Lápis de cera! Estaca grande para mãos gorduchas dum menininho bochechudo pra dentro da barriga de Caprecai. Lápis de cor. Cores matizadas em mãos delgadas de garoto já não tão gorducho. E lá se vão os lápis para a barriga de Caprecai. Grafite macio! Os dedos ágeis manipulam e imagina o garoto a cor que não chegou ao papel. Estão na barriga de Caprecai. Canetas hidrográficas! As canetinhas colorem a imaginação do rapaz no exercício do retorno ao ventre escuro de Caprecai. Guache, aquarela, acrílica, óleo e sonho e projeto de vida dum homem que inventou um mundo e o guardou bem fechado na barriga de Caprecai.

Caprecai está gordo e solitário deitado numa cama forrada com lençol-prisão de Homem Aranha. O menino foi embora. Abri a porta e a barriga do cavalo do menino Caio para tomar emprestadas as cores de escrever histórias. Estou no esboço de uma. Espero que fique pronta antes de nascer o novo dono do Caprecai. Nesse dia, talvez eu escreva outra história. O nome do cavalo seria Capreficai ou Cavalo Preto do Filho do Caio.

(São Gonçalo, 13 de maio de 2013 (num exercício com alunos da turma PAEF M1 do Colégio Estadual Ismael Branco – Bairro do Mutuá, São Gonçalo – RJ).