O ROUXINOL

O compositor cubano Silvio Rodrigues escreveu há algum tempo a letra de uma música em que um colibri perdia a vida ao tentar salvar uma flor que caíra na correnteza.

Hoje eu vou contar a história de um rouxinol.

A janela do quarto estava aberta, e deixava entrar a brisa da manhã. No leito, a jovem dormia, na inocência de sua quase infância, tendo sabe-se lá que sonhos... Mas seu semblante irradiava paz, e nada parecia perturbá-la.

Como na tragédia shakesperiana, há muito a cotovia se afastara de sua janela, pois a manhã se aproximara célere.

Na trepadeira ao lado da janela, o rouxinol pousou cuidadoso. Esticou o pescoço e olhou para dentro do quarto, encantando-se com a visão da menina.

O níveo colo, visível acima da dobra dos lençóis, pulsava suavemente, e os seios ainda púberes arfavam lentamente. A boca ensaiava um sorriso que talvez traísse o conteúdo de um sonho... e a menina dormia...

O rouxinol não sabe quanto tempo ficou ali, espreitando, apenas deixando seus olhos se encherem com a visão angelical.

Mas ele precisava cumprir a sua missão, a tarefa para a qual ele hvia nascido: precisava cantar!

E, inspirado pela visão que o paralisara, pousou no parapeito da janela e abriu o bico, deixando sair notas arrepiantes no mais lindo canto. Cantou como nunca havia cantado antes, e o seu canto se fez ouvir por todo canto.

A menina abriu os olhos, ainda imersa nas impressões de um sonho encantador, sem entender de onde vinha tão divinal concerto. Espreguiçou-se, passou os olhos por todo o aposento, e os ficou no pequeno pássaro, que pousado no parapeito de sua janela, trinava e trinava.

Seus olhos se encontraram. Pássaro e moça, moça e pássaro.

O coração da jovem acelerou seu passo, o pequeno coração da ave não cabia em seu peito.

E a sinfonia continuava!

Mágico momento de comunhão...

De repente, um forte bater de asas. Os olhos da jovem se arregalam e ela não entende de onde surgiu aquele gavião, que, como projétil assassino, vinha célere em direção ao seu rouxinol que, embevecido pelo próprio canto, não percebera a aproximação do predador.

A jovem não pensou: seguiu seu impulso, e jogou-se em direção à pequena ave canora, segurando-a firme entre os dedos. Rente à sua cabeça, passou rápido o gavião, e ela, sem apoio, mergulhou no vazio.

No chão, jaz a jovem tendo em suas mãos o pássaro que havia alegrado o seu despertar. Lentamente, caem da trepadeira campânulas que enfeitam o trágico quadro matinal. Dentro o quarto, o gavião espreita, sem nada compreender...

Hermes Falleiros

Franca, 17 de maio de 2013