Até breve

Com olhar cabisbaixo e sem nenhum brilho, profundamente melancólico, aquela mulher narrava, compassadamente, a sua tragédia.

Mulher de olhos raramente marejados, ela descobrira no filho uma doença degenerativa. Sim, o filho caçula com morte anunciada.

Nunca imaginei que naquele coração houvesse tanto amor! Não um amor poético, cantado e demonstrado a exaustão. Um amor não dito, quem sabe um sentimento proibido pelas asperezas da vida. Uma vida coberta de luta e dificuldades.

Jamais vi tamanha fortaleza! Uma alma de mulher decidida, combatente durante toda uma vida, de opiniões fortes e sem se deixar levar por retóricas vãs. Mulher de humor refinado e pontual, jamais fora do seu contexto, soube fazer da vida uma história de honra e verdade. Uma sinceridade às vezes ferina, mas nunca cruel.

Naquele interior do Paraná, a terra vermelha exigia muitas horas no tanque para que os filhos ficassem apresentáveis. Mas quem diz que criança de interior, naqueles anos 60, sem televisão, haveria de se comportar? Era o correr atrás das galinhas, do porco no quintal, rolar na terra, subir na árvore, brincar com o cachorro, montar a cavalo...

No tanque, a minha tia Tereza se esfalfava cotidianamente. E fazia a comida com olhar austero, ralhando com frequência com as suas crianças, mas sempre com a visão de justiça e de uma maternidade responsável. E preparava o banho, esquentava a água que seria colocada no chuveiro – aquela lata com vários furos feitos a prego pendurada no alto do banheiro da sua humilde casa de madeira naquela cidadezinha do interior do Paraná.

E ministrava aulas para crianças igualmente encharcadas de criatividade, movimento, vontade de viver intensamente... e nem pensar em pegar no lápis. Eu nunca ouvi a palavra “cansaço” daquela mulher, apesar de tudo.

Resolveu inovar: cursou faculdade com poucos recursos e sem tempo para muitas leituras, trabalhou muito, se aposentou e continuou trabalhando para que a família vivesse melhor.

Jamais conheci uma pessoa que se esforçasse tanto para que os filhos estudassem! O tio, bonachão, trabalhava, mantinha os filhos muito bem alimentados e não se importava com o futuro das crianças, mas ela sim e muito!

Mas também zelava pelos filhos de outras mulheres. Era só chamar, que ela estaria pronta e com boa vontade. Sempre disponível e, na maioria das vezes, com um cigarro aceso. Quando brava, a tragada era mais intensa, as baforadas se expandiam a uma distância maior... mas as baforadas eram muitas vezes carregadas de alguma indignação sobre o conteúdo daquela conversa.

Teve sonhos? Sim. Era morar numa casa de alvenaria. Mesmo numa cidade maior e melhor nunca conseguiu realizar esse desejo tão íntimo. Mas não guardava tristeza por isso. A família sempre foi feliz. Na sua casa, depois dos churrascos de domingo, a mesa era reservada para os jogos de canastra. Sempre foi assim. Sempre o café quente, bolachas de cerveja, bolos macios. A tia Tereza entrou nas nossas almas como a pessoa rigorosa, valorizando uma moralidade sadia, o trabalho justo, o respeito pelo outro, uma boa conversa e muitas invenções fantásticas.

Eu não imaginava o tamanho do amor da tia Tereza pelos filhos! Ela que sempre ralhou, deu-lhes algumas chineladas, falou duro... percebi que, como toda mãe, a tia Tereza só era menor que Deus.

Rezou muito pelo filho doente, se ajoelhou com toda a humildade diante do altar, pediu, implorou pela vida do seu rebento, chorou convulsivamente infinitas vezes... mas o quadro não se alterou.

Silenciosamente, ela resolveu partir. A tristeza roeu em definitivo as suas entranhas. Ela resolveu ir embora antes do Pedro para acolhê-lo em outra dimensão, pegá-lo no colo, fazer o cafuné que aqui não houve. Resolveu partir para ter a certeza de lhe abrir a melhor porta numa estação de primavera sem dor.

Com uma vida dura, dificílima, com uma poesia muda, a tia Tereza resolveu desabrochar numa flor única em perfume. Com uma singeleza que jamais demonstrou, visto que protegida pelos espinhos da vida, ela resolveu se mostrar: além de guerreira, corajosa, verdadeira, tinha no coração o amor que os poetas sempre esbanjaram nos seus sonetos, mas no seu significado mais perfeito e sublime.

8 de maio de 2013 – a tia Tereza foi de encontro ao Eterno para poder, de coração inteiro, abrir os seus braços para o filho querido, dizendo: “vem, filho, que a eternidade é bem maior que aqueles momentos de angústia e de desolação”.

Obrigada, tia Tereza! Muito obrigada! Eu aprendi tanto com a senhora que precisarei de várias vidas para poder praticar as suas lições de sabedoria com aquela austeridade necessária para não se cair nos enganos da vida.

Vá com Deus, minha querida tia Tereza. Seja feliz sem dor e angústia. Alegre o céu com os seus casos mirabolantes e volte logo porque a humanidade precisa de pessoas inteiras como a senhora.

Beijei a sua mão naqueles dias próximos à sua partida e disse carinhosamente: “ a senhora está tirando férias porque está precisando. Lembra, tia, a vida é eterna. Depois a gente se encontra. Até breve”.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 17/05/2013
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