Olhares de poesia e outros olhos

Ela acha que se esconde de mim atrás das palavras, principalmente quando diz: “Nada”. Há dois tradutores cor de mel e mar que sempre me dizem a verdade, que gritam acima dos sons evasivos, que falam comigo nos silêncios e na balbúrdia. E sabem ser ternos e sabem ser duros. Acalentam e desafiam. Bastam-se.

Olhos são o quadro abstrato da objetividade do diálogo, da precisão das palavras, da contenção dos gestos; apresentam suas mensagens e deixam que outros olhares os decifrem. Miram alvos, horizontes, infinitos, e desafiam o resto do corpo a acompanhá-los. Não têm medo, mesmo que se protejam com dedos entreabertos de vez em quando para agradar a mente que vê perigo em tudo. Ferramentas da curiosidade, desvendam segredos, descobrem esculturas nas nuvens e poemas nos galhos açoitados pelo vento.

São depositários dos sonhos, os olhos.

Entre tantos que fazem dos olhos seu ganha-pão, há os atores. Sharon Stone se prevalece e consegue transformar uma cena comum numa aula de sedução, mas Morgan Freemann é imbatível. Dono de uma filmografia extensa (Conduzindo Miss Daysy, Um sonho de liberdade, Invictus etc. etc.), recebeu o Oscar de melhor ator coadjuvante em “Menina de ouro” e foi indicado para o prêmio em várias outras ocasiões. Não faz caras e bocas quando atua e seus gestos são sempre comedidos, totalmente fora de determinados padrões holiudeanos. Tem uma voz forte, sim, mas é pelos olhos que se comunica. Em “Antes de partir” há uma passagem em que ouve uma mulher descrevendo as montanhas; pela forma de mirá-la, tem-se a certeza que está viajando por aqueles lugares apenas por ouvir o relato.

Há um grupo de pessoas cujo olhar é público e deveria ser analisado por psiquiatras: o dos políticos. Os olhos esbugalhados de Fernando Collor e a opacidade mentirosa dos de Chávez dizem o suficiente de suas personalidades, já a doçura do olhar de Mandela parece que chama para o aconchego.

Tinha para mim que os olhos morrem antes do coração e do cérebro, hoje sei que quando a alma se vai, os leva consigo. Talvez por isso Renato Teixeira compôs em “Romaria”: “Como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar.”