É só curtir

Família grande se encontra; como o local é modesto, são colocadas improvisações para caber todo mundo. Em mesa para quatro, estão em seis ou mais. Jogam conversa fora na manhã de domingo. Casal recém-chegado se junta à turma; passados cinco minutos ela afasta copos de quem está ali e coloca um notebook em cima da mesa para navegar em alguma rede em que tenha alguém para dizer-lhe que está linda ou coisa parecida.

Inscreve-se num curso de um só dia, chega quase duas horas atrasado, senta na primeira fila, nem abre a apostila e passa a dialogar com sua maquininha. À tarde nem aparece no curso.

Dia de sol, verão, praia: dois adolescentes passam o dia em frente à tela de computador, jogando.

A tecnologia é sempre boa, mas vira perniciosa se mal utilizada: afinal, o progresso é fruto da preguiça, pois consequência de nossa busca da facilidade para fazer as coisas, até para nos divertirmos. A Internet, sem querer, criou um novo tipo de ativismo social: o ativismo da bunda na cadeira. Não mais barricadas para contestar o “status quo”, não mais sociedades alternativas, não mais bolinhas de gude contra cavalos dos opressores, não mais trabalho voluntário com quem precisa dele, não mais abrir mão de confortos para viver realidades duras e ajudar a mudá-las; basta apertar um botão e o papel social está cumprido. Tecle em “Curtir” e está resolvido o problema, sem cheiros estranhos, embates perigosos, condições adversas. “Curtir” e vamos adiante.

A Unicef da Suécia criou alguns vídeos interessantes: em um deles, um menino de 10 anos fala que tem medo de morrer logo, como aconteceu com sua mãe, e não haver ninguém para cuidar do irmão menor, mas sabe que quando 200 mil pessoas “curtirem” o vídeo, estará tudo certo. Em outro, um casal termina de almoçar e o homem pede ao garçom que divida a conta e que cobre sua parte em “curtir”. Em outro, no salão de barbeiro, o mesmo homem se admira muito porque não pode pagar os serviço com “curtir”. Há mais na mesma linha, sempre terminando com uma mensagem dizendo que é com dinheiro que se salva vidas, em outras palavras, com ação.

Curtir! Que saudade do tempo que a palavra tinha outros significados e de quando se ficava contrariado ao fazer uma visita e os visitados deixavam a TV ligada enquanto estávamos lá.