A ENTREGA DA PRANCHA NA GLASPAC-LIVRO 1

A ENTREGA DA PRANCHA NA GLASPAC

Foi exatamente do jeito que contei, salvo alguns detalhes esquecidos pois já se vão uns aninhos... Meu pai tinha uma Vemaguete ( perua da DKW) 1962 e a emprestava para irmos surfar. Naquela ápoca não havia rack, e o jeito era forrar o teto do carro com cobertores velhos e amarrar passando as cordas pela janelas, e rezar para a prancha não soltar com o vento. No dia em que íamos entregar a prancha TIKI para a Glaspac, que serviria de modelo para as pranchas fabricadas em série, foi na Vemaguet do meu pai que levamos. Porém, meu pai não poderia sequer desconfiar que eu iria a São Paulo com o carro dele. Saímos após o almoço, eu, Sérgio Heleno e o Di Renzo, pegamos a prancha no Japuí, próximo à Ponte Pensil, amarramos no teto do carro e subimos a via Anchieta ( a Rodovia dos Imigrantes seria executada uns dez anos depois). A Glaspac ficava na avenida Santo Amaro, já perto da São Gabriel. Era uma empresa pequena, um dos donos era pernambucano criado numa colônia inglesa e tinha um sotaque de um inglês nato. Entregamos a prancha e exigimos que a mesma fosse devolvida dois dias depois, prazo suficiente para fazer um molde da prancha Tiki. Era uma segunda feira, marcamos de buscar o modelo na quinta e retornamos. Ou melhor, começamos a viagem de volta pela avenida Santo Amaro, fomos parar na Avenida Jabaquara para pegar a rua Vergueiro e sair na Via Anchieta. Mas, como tudo que se faz escondido, ocorreu um sério imprevisto. Não havia semáforo na Praça da Árvore e um carro atravessou na minha frente. Não pude evitar a colisão. Descemos do carro para ver as avarias: para-choque amassado, vidro do farol direito quebrado, para-lama direito amassado. Foi terrível. Imediatamente formou-se um tumulto em volta dos carros. O outro carro era dirigido por uma senhora que trazia os filhos da escola. Ela me acusando de estar errado, eu, que vinha numa preferencial, com certeza de estar certo. Mas, imaginemos a cena: uma senhora com dois filhos no carro e três caras queimados do sol, muito fortes, discutindo com ela. A galera se voltou contra nós, a senhora disse que ia sair com o carro. Sentamos no chão na frente do carro da mulher e apareceu um cara grandão muito justo que começou a falar: “- Eles são moços, podem ser play-boys, mas estão certos. A senhora desculpe, mas está errada.” Em momento nenhum faltamos com o respeito para com a senhora, mas éramos superduros e não poderíamos nem pensar em pagar o conserto do carro. A multidão parou de nos acusar. Liguei para o marido dela, que veio ao local e se prontificou pagar o conserto do carro. E, após acertarmos os detalhes, seguimos viagem. Foi difícil encarar meu pai e contar que a batida havia sido em Santos. Dias depois, eu e meu irmão fomos a São Paulo e recebemos o valor do conserto. As primeiras pranchas entregues a nós eram ocas, somente com uma madeira longitudinal como estrutura (longarina) e não foram aprovadas. Nova negociação e a Glaspac fabricou a prancha que se tornaria campeão de vendas na época: com poliuretano e manta de fibra de vidro, que hoje encontramos em vários museus de surf no Brasil. Acredito ter sido um marco para desenvolvimento do surf no estado de São Paulo.

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 20/05/2013
Reeditado em 09/10/2021
Código do texto: T4300252
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