Sozinho eu não consigo

Sozinho eu não consigo









Ao percorrer a distância entre o início da rua Cardoso Alves até o parquinho da Sabesp pensamentos pululam.

Aulinha para retardados: suponhamos que Aprígio coma uma minhoca enlatada. Ou light, embalada a vácuo. Ou orgânica, acomodada numa linda cestinha de vime. Além dessa minhoca ter sido torturada e assassinada, as pessoas que trabalham no minhocário são escravizadas e brutalizadas. Você acha que o produto não contém a contraparte, etérica, oriunda dessa baixaria institucionalizada? Hãmmmm, e você acha que Aprígio, ao comer, não está trazendo para seu próprio mundo essa energia?

Ah, se liga... Enquanto isso, nem consigo te dizer o quanto almejo acordar, numa manhã linda de veranico outonal como essa, andar duas quadras e me ver num parque arborizado para sorver a luz do sol, contemplar, caminhar e inquirir com ar professoral cada árvore e cada pássaro ocioso entretidos em existir, uns planando cá, outros enraizados acolá.

Pessoas continuam achando (e o pior, escrevendo teses a respeito) que os Beatles foram tudo aquilo (ou tudo isso?) porque praticaram bastante em Hamburgo, porque nasceram na Inglaterra, porque foram para a América, e não cessa de chover abobrinha. Impressionante como o ser humano se incomoda com o Talento. É preciso achar alguma saída mental-enfadonha para emoldurá-lo.

Será possível que seja verdade, (ando muito desinformado) que uma tese de faculdade tornou-se best-seller (e o Rei Roberto teria entrado com uma ação contra a autora) expressando em suma que a Jovem Guarda não foi um movimento espontâneo e sim uma estratégia de marketing? Se você tem alguma evidência desse fato, please, disque 0800 Retardado que eu vou atender. Sou uma espécie de porta voz da casta.

Ah, deixa eu te contar uma piada, dizem ser raridade, de tão antiga, sobre o pessimista e o otimista. O pessimista se lamuria durante a situação, dizendo: ah, isso não pode piorar. E o otimista rebate: oh sim, vai piorar, e muito.

Bem, para mim foi necessário ouvir o que essa mente brilhante, seja lá quem for, desferir uma anedota dessas. Igualmente necessito do sujeito que fez a camiseta que estou usando, e o que não dizer sobre o par de tênis que meus pés calçam. Na alvorada dos 2.000 um filme alemão já denunciava os escravos da Ásia, e jovens loiros e louras da Bavária entravam em estabelecimentos denunciando aos consumidores de que forma os produtos foram manufaturados. Que nem a minhoca do Aprígio, pra se dizer o mínimo.

Oh, já estou no parquinho da Sabesp. Um pouco de exercício não faz mal a ninguém. E um pouco é melhor do que nada.
Necessito dos novos pensadores mais do que os velhos, a bem da verdade pouco conheço dos velhos e 90% do que conheço acho uma chatice abissal. É nisso que dá a meia ignorância...Agora os novos, please, com licença, acabei de ouvir essa e achei muito boa: “Sou digno do meu próprio tempo! Eu tenho algo a contribuir. Tenho algo que me dá alegria!”.

Estamos chegando ao fim dessa crônica, qualquer ingrediente que eu acrescente para fazer jus ao título cairá na rede perceptiva como lugar comum, chavão, retórica, etc. Dou voltas e voltas, floreio o pavão, mas você entendeu onde eu quero chegar. Posso ainda didaticamente mastigar: sozinho ninguém consegue nada.

Ok, agora é hora de me dependurar nos aparelhos do parquinho e olhar o céu.

Já percorri esse caminho várias vezes e não houve uma em que eu não olhasse para cima e não me perdesse em quimeras.
O céu que nos protege é uma delas. Nesses instantes me liberto dos problemas e mesmo com a minha veia poética em baixa, ousaria dizer que problemas são como satélites. Você sabia que satélites caem o tempo todo? Alguém fez uma pesquisa sobre isso. Precisamente, um a cada dez dias e desde o primeiro momento em que começamos a colocar objetos no espaço, 17.000 já voltaram.

Ninguém foi atingido.

Dentro em breve teremos o poente e na volta vejo uma cena corriqueira, onde um passeador leva quatro cães de uma vez, todos enormes e sedentos por canteiros, daí ele se depara com outro passeador, munido de três mini cães. Os pequenos latem histéricos e os maiores bocejam – acabo de me lembrar de um ditado que diz: não compre briga com quem tem a língua solta. Não sei se isso vale para cães.

Caminho sem pressa ainda de olho no firmamento.

Oh, a aulinha está em vias de terminar. Uma parte da minha mente indaga: por que o céu é azul? E a parte repetitiva responde: porque as cores da luz tem diferentes comprimentos de onda. O menor deles, o do azul, se dispersa com incrível facilidade. Noutras palavras, quando os raios solares atingem a atmosfera da Terra, o mais curto se espalha mais. Por isso o céu é azul.

Pelo visto, alguém pensou em tudo.


(Imagem: Danny Gregor)

 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 21/05/2013
Reeditado em 19/05/2021
Código do texto: T4301756
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