MEMÓRIAS DO JOÃO BRÁULIO - Desfile de Sete de Setembro

— Quem possui bicicleta? — dona Marcela perguntou. Maquinalmente levantei o braço, acompanhado de mais dois ou três coleguinhas. — Pois bem. No próximo Sete de Setembro haverá um desfile... E foi falando sobre as comemorações de mais uma Semana da Pátria aqui em Aguinhas e sobre o desfile de bicicletas de que íamos participar.

(“Nunca me dou bem com essa tal semana...” — pensei. “E bicicleta que é bicicleta, na verdade eu não tenho. O pai tem uma sueca marca anzol antigalhona e pesada — mas que eu manobro bem, mesmo sem alcançar o pedal direito: uma pedalada e uma sentada no selim, uma pedalada e...” — fiquei ruminando...)

Mas fui em frente, o pai numa alegria danada de ver o seu filho desfilar no Sete de Setembro, que essa festa já foi famosa em Aguinhas naqueles anos de civismo obrigado. Aprontamos a bicicleta, na qual foi posto um arco com bandeirolas e pendurados diversos enfeites, e eu fui todo garboso, elegante, e nessa hora, no menino, o sentimento patriótico era genuíno e enobrecedor — a minha alma infantil podia sentir isso a cada dobrado que ressoava da intrépida briosa Santa Cecília do Geraldo Machado, e eu, exultante, acompanhando os hinos, decorados à contra-capa dos cadernos Avante. Mas era Semana da Pátria e essa desgraça não costumava se casar bem comigo. E não deu outra: na hora da saída vi que o pneu traseiro da Patavium havia furado. O que fazer? Outro vexame: participei de todo o desfile empurrando aquele estrupício de bicicleta, que montar não podia, enquanto os demais alunos, em bicicletas apropriadas para crianças, desfilavam garbosos, sobranceiros...

E hoje, tantos anos depois, quando olho a foto que documenta essa história, vejo lá a minha Patavium de pneu murcho e eu meio chué, encabulado, a conduzi-la, desapontado, com uma contida vibração...
 

Fotos antigas - Sete de Setembro em Lambari








 


Outras crônicas da Série JOÃO BRÁULIO
 


(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.

 
O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.