CRÔNICAS EM OITO LIÇÕES

Hoje. Almoço, levanto-me preguiçosamente da mesa, pego disciplinarmente a garrafa colocada sobre a toalha colorida, e sirvo-me um café. A tranquilidade que adquiri no correr dos anos com essa repetição meio que sistemática ,meio que litúrgica, me auxilia nos longos períodos de reflexões diárias.

Nunca fiz cálculos de quantos minutos ou horas passo, em pé, olhando com vista perdida a avenida principal lá embaixo. Sempre os mesmo carros, as mesmas buzinas. Intrigante como aqueles motoristas se valem dessa coitada histérica. Fico imaginando, enquanto fecho o botão de cima de minha camisa de linho, a quantidade de vezes que um infeliz daqueles apertava o lado macio do volante, para que a buzina emitisse um som estridente e estressante. Meu Deus! Pessoas... andando de cima para baixo, com movimentos repetitivos, sorrisos amarelos. O que dirige seus pensamentos?

Desvio a atenção para folhear o livro, já em minhas mãos, estampado com letras garrafais, sob o título “ crônicas em oito lições”.

Reflito nesse título. O que motiva, desafia o escrever? São os escritos que às vezes me insultam, dilaceram, e outras vezes me acalmam. Ensinar é mostrar como se faz. É mister permear a mente com ferramentas precisas , ofuscando o egoísmo corporativista, por vezes religioso, por vezes político e social.

Esse jugo corrosivo das mentes impregnadas de certezas legalistas, discipuladoras, me incomodam. Me apraz, se vital fosse, debruçar-me sobre seus inventores (criadores?)desvairados , e sistematizar paradigmas para a arte do bem expressar. Mas...

As crônicas são para admoestar, ensinar, instruir, ou tomam o caminho do envaidecer , através do elogio e do aplauso? Por ventura ela arde as entranhas ao nascer, e chega ao coração quando consigo demonstrar como enigma os segredos da gramática e do acervo vocabulático da Língua?

Se prefiro o lisonjeio e escondo no bolso da manta da vaidade o conselho de Quintana, “ Fere de leve a frase...” , satisfaço o ego falastrão, aventureiro e penduro na parede como troféu cobiçado, o deleite à auto estima.

Atrevo-me, ainda que, indecisamente, crer em todas as formas e motivos para a escrita ? Permito que cada mente discorra à sua revelia, quebrando o leme, liberando o deslizar solto das linhas sem âncoras e amarras? Se delibero-me a isso, fico com a ética do liberal que não se curva ao Código de Hamurabi , às relíquias , e nem exponho , embora em réstia, o entendimento supremo e inculpável das linhas.

Se a rima aprisiona o pensamento, delimitando o expressar, preferindo a sintaxe à semântica, também assim é a sistematização dogmatizada da crônica. É válido substituir palavras do vocabulário próprio, pela sinonímia da linguagem culta e causadora de impacto, como se o artista apagasse os traços primeiros trocando-os pela arte final a nanquim?

Neste óbvio, faço da crônica a contextualização do fato e aplico uma lição, uma moral. Porém, forjo o pensar e guio as frases sem levar em conta que elas sempre existiram e que a alma do cronista capta, juntando-as para que se transformem em argumentos e temas universais. Bem poderia eu, nessa reflexão, concluir esse tema,

normatizando a imparcialidade literária e apontando um caminho a seguir. Mas, a crônica é plural?