Além dos Cinquenta Tons de Cinza

Uma caneta compacta entre os dedos, o céu cinza intenso inspira os olhos atentos de um escritor solitário, em meio ao caos da vida urbana.

Em um quarto pequeno, onde duas camas rústicas dividem o mesmo espaço a expressiva força das palavras há de surgir.

Entre as camas um violão, negro que instrumentalmente conspira com a harmonia metricamente organizada daquele espaço.

O roncar do indivíduo ao lado é constante, uma sequência cronometrada, que de tão profundo desperta até os gatos que dormem lá fora.

Sobre a cama, lençóis brancos, com flores azuis; na parede uma tela abstrata, um presente, uma memória de um passado presente que rapidamente se esvai nas voltas de um moinho, que tritura os sonhos mesquinhos e reduz o ego a pó.

Em repouso sobre a mobília sapatos diverso, um espanador que se encontra perdido em um contexto inadequado.

Livros, perfumes, roupas, dinheiro, bússola, relógios, jóias, cremes, recheiam o armário ao lado.

O homem negro e completamente nu continua a roncar, é tão intenso que irrita quem coabita o mesmo espaço.

Os chinelos extraviados completam a desarmonia daquele espaço disto harmônico.

O sono se foi, na memória as lembranças que vão além dos cinquenta tons de cinza.

As cores das dores e das emoções vividas transcendem os tons de cores conhecidas.

Um barulho sinistro perturba o silêncio daquele momento.

Do outro lado da janela um homem que chega aos prantos, mas que em frações de segundos tudo se cala.

Ao som de uma trilha sonora natural, se escuta os grilos a cantar, cachorros a uivar, corujas, morcegos e muriçocas a musicalizar versos desconhecidos.

Nada perturba tudo conspira para instituição de uma arte que ganha forma através de uma caneta compacta, sobre as folhas velhas de uma agenda encontrada no lixo no início da década de 90; que através da inspiração e transpiração de um interprete da vida, as palavras avulsas ganham formas e conquistam a eternidade.

Uma eternidade desejada, não para satisfazer o ego, mas com objetivo de cristalizar a vida e os prazeres momentâneos vividos pelo homem.

Um rabisco.

A mão que desbrava as vastas linhas, daquele livro de anotações, era interrompida pelo vibrar de um celular.

O mesmo trazia a seguinte mensagem: “boa noite, meu amor...”. Era a flor amada, a musa que inspirava e desequilibrava o raciocínio de um artista em formação.

Aquela simples mensagem seduzia, excitava, perturbava a concentração daquele artista que objetivava concluir a sua obra.

“Ai flores do meu verde pino... meu Deus e eu!”

O corpo desnudo já cansado deixava a escrivaninha, se rendendo aos encantos daquela cama fria.

Os olhos se sentiam pesados, um vento gelado invadia o quarto, o homem negro continuava a roncar.

Havia passado duas horas, desde os primeiros rabiscos transcritos no vasto livro de anotações.

Os olhos começavam a se turvar, a cortina bege se misturava com o branco da parede.

Morfeu adentrava o quarto, é chegada a hora de se entregar ao mundo desconhecido do sono.

Sob luzes brandas, o corpo nu e estirado de um artista que profundamente dorme ao lado de seu amante, o sedutor que inspira e ensina a arte de viver ao longo dos séculos.

Os dois adormecidos um do lado do outro.

A cena é capaz de seduzir até Leonardo Da Vinci, um belo poema ganha vida, forma em pincéis de um artista do além...

Este poema é descrito, transcrito e imortalizado; conquistando a glória da arte.

Em telas, livros, letras e tintas os tons de cinza que relatam o artista e a arte que surge das entranhas de um pensador; que fielmente entrega a sua vida em prol da mensagem que vem da alma e é codificada pelo físico, que envolvido pelo meio, promove a sua interpretação.

A emoção aflora e preenchem as telas, os papéis em brancos e livros pálidos que são enriquecidos de informações, histórias e contextos diversos. Das entranhas do ser poético a essência que narra os baluartes, os lírios e os campos verdes. Da alma a eternidade que aflora e prisma o existir. Inúmeros talentos são escolhidos para transcrever a vida, mas a vida também os transcrevem.

O artista pinta a sua história com o seu próprio sangue. Narrando a vida através das experiências vividas. Faz do existir um livro infindável, tornando-se uma narrativa viva. Uma arte que sobrepõe o tempo e permanece viva para todo sempre!

Enfim, as luzes se apagam de um lado o artista em silêncio, do outro o seu livro de anotações calado, na perturba tudo conspira a favor da arte.

Dhiogo J Caetano
Enviado por Dhiogo J Caetano em 26/05/2013
Reeditado em 09/01/2014
Código do texto: T4310110
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